Um Professor não é um Robot
Por Maria Filomena
Mónica
PASSEI AS
ÚLTIMAS semanas a discutir o estado da escola pública em Portugal e no
estrangeiro. Por cá, o escândalo reside na papelada idiota que, via Internet, o
Ministério da Educação envia aos docentes. Lá fora, na concepção de que a
escola pode ser ultrapassada por cursos on-line.
Já segui certas lições, algumas excelentes, mas sei que nem as melhores
conseguirão substituir um professor. Porque a aprendizagem é uma «conversa»,
isto é, uma iniciação no mundo do Saber.
Os professores
são, serão sempre, necessários. É por isso que as turmas devem ser de reduzida
dimensão; é por isso que o silêncio na sala de aula é precioso; é por isso que
as crianças devem ter aulas desde uma idade precoce. Sem bons professores, não
há boas escolas e sem boas escolas as sociedades tendem a ser crescentemente
desiguais. Não foi a partir da minha experiência infantil que me apercebi de
quão essencial era ter um bom professor. Foi preciso ter chegado a Oxford para
que um filósofo, Alan Ryan, me lançasse à água sem que eu soubesse nadar,
tendo-me acompanhado sempre que notava estar eu em vias de me afundar.
Li recentemente
uma carta, dirigida a um professor primário argelino, que desejo citar. É de
Albert Camus. Data de 1957, o ano em que recebeu o Prémio Nobel: Caro Monsieur Germain, Deixei que a barafunda à minha volta se
tivesse acalmado para vos dizer o que, do fundo do meu coração, desejo
comunicar-lhe. Quando ouvi a notícia do Prémio, depois de ter pensado na minha
mãe, a segunda pessoa de que me lembrei foi de si. Sem a sua presença, sem a
mão carinhosa que estendeu ao rapazinho pobre que então eu era, sem o vosso
ensino e o vosso exemplo, nada do que agora aconteceu poderia ter ocorrido. Não
dou demasiada importância a este tipo de honrarias. Mas, pelo menos, esta
deu-me a oportunidade de vos dizer o quanto a sua pessoa representou e ainda
representa para mim e de vos assegurar que os vossos esforços, o vosso trabalho
e o coração generoso que punha em tudo quanto fazia ainda vivem no pequeno aluno
que, apesar dos anos, nunca deixou de vos estar agradecido.»
Isto passava-se
numa colónia francesa, certamente numa escola sem recursos, o que não impediu o
miúdo de aprender o suficiente para conseguir ingressar no liceu local. Hoje, a
escola massificou-se, o que suscita problemas nem sempre tidos em conta. Muita gente da
minha geração – ver, por exemplo, a recente declaração de Durão Barroso sobre a
excelência do ensino antes da Revolução de 1974 - fala da escola pública como
se a composição das turmas se não tivesse alterado. Mas basta entrar numa
escola contemporânea para se notarem as diferenças, desde os alunos, de origens
sociais, étnicas e religiosas variadas, até aos docentes, muitos deles jovens exaustos
depois de terem passado horas a preencher os questionários delirantes que os
burocratas do Ministério lhes enviam. A pergunta, inevitável, é a seguinte:
será uma escola digna compatível com a escolaridade de massas? Sim, desde que a
tutela cesse de olhar os professores como robots.
«Expresso» de 18 Abr 14
Etiquetas: FM
3 Comments:
Já suspeitavamos que a Mónica tinha sido lançada à água por um filósofo, mas não do calibre do Alan Ryan.
Os pirolitos que bebeu, os anos no colégio de freiras e as idas para a Praia da Maças, quando os pais a metiam no carro e a seguir os animais e por fim as criadas, afetaram-lhe as meninges, definitivamente.
Mónica, estás desculpada...mas não abuses!
É extraordinariamente bela, e certa, a carta de A. Camus dirigida ao seu professor do ensino primário.
Mas é tão certeiro e exacto, e não menos belo, útil e necessário, o que afirma a Professora Maria Filomena quando escreve: ... "sei que nem as melhores [lições "on-line"] conseguirão substituir um professor. Porque a aprendizagem é uma «conversa», isto é, uma iniciação no mundo do Saber.
Os professores são, serão sempre, necessários. É por isso que as turmas devem ser de reduzida dimensão; é por isso que o silêncio na sala de aula é precioso; é por isso que as crianças devem ter aulas desde uma idade precoce. Sem bons professores, não há boas escolas e sem boas escolas as sociedades tendem a ser crescentemente desiguais."
Nunca dei fé de que alguém dissesse isto de forma mais clara.
Por isso, sentidamente, o agradeço.
Por escrito.
Sou professora na escola pública há mais de trinta anos e não me lembro do MEC me ter obrigado a preencher "papelada", muito menos "papelada idiota". Não conheço as fontes a partir das quais MFM faz afirmações como estas sobre os professores e a escola pública.Decididamente, MFM não conhece a escola pública. Porém, tem todo o direito de ler, escrever e dizer coisas sobre tudo o que mexe na Escola, tanto como a senhora D.Elvira, a funcionária tagarela que me abre a porta da sala de aula todos os dias.
Enviar um comentário
<< Home