15.7.14

Ainda as eleições europeias


 Por Maria Filomena Mónica
COMO PROMETERA a mim própria, anulei o voto, escrevendo no boletim as seguintes palavras: «Não voto em siglas». Sei perfeitamente o que fiz e as razões que a tal me levaram: os políticos voltaram-me as costas e eu paguei-lhes na mesma moeda. À ida para o local, cruzei-me com dois jovens. Um dizia para o outro: «Estás maluco? Se fui votar? Então, se não voto nos malandros que se sentam ali em S. Bento, muito menos o faria nos que se passeiam, de avião, entre Lisboa e Bruxelas». Notei que, pelas escadas do edifício designado para o efeito, subiam muitos eleitores, mais os idosos do que os jovens. À saída, encontrei duas velhotas. Uma saía, a outra entrava. Rindo-se, a primeira dizia à segunda: «Então, a vizinha lá vai votar?». A resposta veio célere: «Claro, trata-se de um dever».

À noite, constatou-se que os votos brancos e nulos tinham ascendido a 7, 49 %. Houve, por conseguinte, 245.338 cidadãos que se deram ao trabalho de sair de casa para dizer que não concordam com a organização da União Europeia. Na realidade, tal como está, aquela é uma quimera, ou seja, um projecto utópico que procura chegar ao seu fim sob uma autoridade disfarçada. É, no entanto, difícil resistir aos ditames de Bruxelas, especialmente em Portugal, onde os cidadãos ainda pensam que as ditaduras envolvem sempre, como a de Salazar, uma polícia política. O facto de o governo europeu se ter transformado numa burocracia não nos aflige tanto quanto a outros, porque sempre assim vivemos. Há ainda o facto de a Europa nos ter ajudado a construir auto-estradas, a reparar pontes e a reconstruir o património arquitectónico. Desde há muito que nos habituámos a ver, perto dos estaleiros, placards com estrelinhas em fundo azul. Há três anos, até na ilha das Flores, a parte mais ocidental da Europa, as encontrei.

 Portugal tem uma tradição autoritária que faz da integração na UE um factor mais aceitável do que noutros países. Uma coisa é nascer-se num país como a Inglaterra, no qual o liberalismo e a democracia são desde há muito respeitados, outra num país onde o clientelismo e o arbítrio tudo abafam. No primeiro caso, o euro-cepticismo faz sentido; no segundo, é de utilidade duvidosa. Não sendo dada a nostalgias patrióticas, não defendo o Estado-Nação, por o considerar uma entidade inerentemente superior a uma Federação, mas por julgar que, neste caso, o federalismo contribui para exacerbar sentimentos xenófonos. Finalmente, o projecto da UE depara-se com um problema: a ausência de uma cidadania europeia. Poucos indivíduos se vêem como europeus, como se vêem como portugueses, espanhóis ou franceses. Muitos foram e serão «europeus» enquanto Bruxelas lhe mandar dinheiro.

PS: A 5 de Maio último, saiu finalmente a portaria que regulamenta o testamento vital, um labirinto de 11 artigos de tal forma redigidos que provavelmente terá como resultado levar muitos cidadãos a desistir do intento.
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«Expresso»

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