As palavras são livres ou não são
Por Ferreira Fernandes
De Galileu, embora perante a Inquisição tenha renegado a ciência que nos oferecera - que a Terra anda à volta do Sol e não está imóvel -, ficou a frase que murmurou: "E pur si muove", e, no entanto, ela [a Terra] move-se... Do que ele disse sob coação não reza a História. As palavras são liberdade ou não são. O jornalista James Foley apareceu-nos na condição de vítima, de joelhos, à espera da navalha no pescoço. Falou e o que falou não me interessa, não me interessa o que diz um homem de joelhos, à espera da navalha. E se eu tivesse de transcrever o que ele disse, prevenia: as palavras são liberdade ou não são. Di-lo-ia por respeito a James Foley. Em 1989, fiz uma reportagem com a guerrilha da UNITA, andei a norte do Caminho-de-Ferro de Benguela, mais próximo de Luanda do que da Jamba. De regresso à Jamba, entrevistei Savimbi que preparou o encontro num jango (cubata) enorme. Estavam presentes dezenas de dirigentes, de Chitunda a Nzau Puna. No fim, levado pelo braço de Savimbi, parámos frente a um jovem. "Sabe quem é?", perguntou-me o líder, que deu também a resposta: "É o Wilson dos Santos, que vocês andam a dizer em Lisboa estar morto. Não o quer entrevistar?" Wilson estava de pé e olhar ausente. Apareceu um microfone da Vorgan, a rádio da UNITA. Eu disse: "Não entrevisto presos." Meses depois, Wilson, a mulher e os filhos foram mortos. Gosto de não o ter feito mentir quando ele não era livre de fazer outra coisa.
«DN» de 21 Ago 14Etiquetas: autor convidado, F.F
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