17.8.14

Os Banqueiros

Por Maria Filomena Mónica
HÁ RICOS e há ricos. E há, depois, banqueiros. Tal como o Corão, o Novo Testamento é explícito no que diz respeito à condenação dos últimos. Foi, em parte, devido a isto que a banca ficou inicialmente nas mãos dos judeus. No século XV, apesar de a Igreja Católica ter continuado a condenar o empréstimo de dinheiro a juros, com o argumento de que não se tratava de uma troca de mercadorias, mas de uma actividade que punha em jogo o factor tempo - então considerado um privilégio divino - alguns cidadãos da Toscânia começaram a interpretar os ensinamentos religiosos de maneira heterodoxa.
Entregues a um negócio tido como ilícito pelo Vaticano, os banqueiros tentaram apaziguar a cólera divina através de encomendas de obras de arte. Como o provam os actos da família Medici, o nascimento da banca internacional e o Renascimento estão ligados. Por detrás da ostentação, persistia a noção de pecado, o que explica a hegemonia, breve, mas assustadora, de Savanarola, o frade dominicano de Ferrara que pregava contra o luxo. A histeria anti-dinheiro terminou em «A Fogueira das Vaidades» (1497 e 1499), que teve lugar na Piazza della Signoria, de Florença, quando muitas obras de arte foram queimadas.
Nada sei de bancos, a não ser que é através deles que recebo o que ganho, como é lá que deposito o que poupo. Até recentemente não tinha deles qualquer impressão. Isso só aconteceu depois da crise dos Lehman Brothers, quando tudo se virou de pernas para o par. Não sendo rica, a única coisa que peço a um banco é que funcione como um colchão: eu deixo lá o meu dinheiro – uma pequena conta a prazo – e ele impede que um ladrão me roube. Não conheço Ricardo Salgado nem tenho dinheiro no BES, o que não me impede de os classificar de «lixo». As agências de notação financeira não detêm este monopólio. Perante o actual descalabro, que garantias me dão os bancos de não andarem a planear truques semelhantes? Gostaria de juntar pessoas de confiança - infelizmente o Banco de Portugal roubou-me Vítor Bento – e criar um pequeno banco, modesto nas ambições, mas sério na aplicação do dinheiro.
Há muitos anos, quando a palavra de honra ainda valia alguma coisa, a relação entre cliente e banqueiro era pessoal. Um exemplo é o do banco que a minha família paterna sempre usou nos seus negócios. Lembro-me de, em conversas com o meu pai, este me ter falado dos contactos entre o meu avô, um homem honesto, inteligente e duro, e o banco com quem trabalhava, o «Lisboa e Açores». Não sei se é a uma relação deste tipo que José Sócrates se refere na entrevista, que a 28 de Julho, deu ao Diário de Notícias!
Como escreveu Adam Smith, em A Teoria dos Sentimentos Morais, o «homem sábio e virtuoso está sempre disponível para sacrificar o seu próprio interesse privado ao interesse público da sua ordem ou sociedade». A maximização do lucro tem de respeitar princípios éticos. Duvido que Ricardo Salgado tenha ponderado suficientemente os perigos de uma nova Fogueira das Vaidades. Se fosse a ele, acautelava-me.
«Expresso» de 2 Ago 14

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