Ironias presidenciais
Por António Barreto
Elas aí estão, as presidenciais.
São já este mês e estão a ficar cada vez menos tensas. Na verdade, a função
presidencial tem vindo a perder importância. Foi o que fizeram os dispositivos
constitucionais que colocam o presidente numa espécie de reforma ou quadro de
adidos. Mas também por causa das personalidades que sucessivamente ocuparam o
cargo e o foram reduzindo. E finalmente por causa da complexidade do governo com
a globalização, a Europa e a crise: presidir, sem poder executivo, é uma
inutilidade.
Este mês, diremos adeus a Cavaco
Silva e preparar-nos-emos para o quinto presidente eleito desta era
democrática. Vale a pena olhar para trás. Os quarenta anos de mandatos
presidenciais democráticos distribuem-se equitativamente por quatro
presidentes, cada um com dez anos. Oferecem-nos ironias muito curiosas.
Ramalho Eanes era general. Foi
nos seus mandatos que os militares recolheram a quartéis, que os civis passaram
a comandar a vida pública e que os políticos começaram efectivamente a mandar
nos militares. Antes de sair do seu cargo, ainda tentou criar um partido
político, com o qual acabou, mais tarde, por perder. Para a história dos dez
anos, ficarão o afastamento dos militares e a ascensão dos civis.
Mário Soares, o primeiro
presidente civil, foi eleito pela esquerda. Começou por presidir à direita.
Contemplou com optimismo o famoso “oásis” de Cavaco Silva, que ajudou a
construir. Aliás, este último e o PSD apoiaram Soares na reeleição! No segundo
mandato, presidiu à esquerda e fez o que pôde para ajudar os socialistas a
reconquistar o governo. Os feitos da história destes dois mandatos foram as primeiras
maiorias absolutas da direita, os dez anos de Cavaco Silva, a liberalização da
economia e as privatizações. Aumentaram os rendimentos dos portugueses e o
consumo e cresceu o emprego. Os mandatos de Soares foram os dez anos de glória
de Cavaco.
Jorge Sampaio também foi eleito
pelas esquerdas unidas, tal como sempre buscou na sua vida. Eleito com ruído e
expectativa, presidiu geralmente com apagamento. Fez o que pôde para afastar
António Guterres da liderança socialista, já agora também do governo. Depois de
o conseguir, entregou o poder ao PSD. Dois primeiros-ministros fugiram,
Guterres e Barroso, ele correu com outro, Santana Lopes. Fez o que sabia e não
sabia para recuperar os socialistas para o governo. Saiu-lhe Sócrates na rifa.
Cavaco Silva foi o primeiro Presidente
da República só eleito pela direita. No fim do seu segundo mandato, a esquerda
unida tomou conta do governo. Com Cavaco Silva, parecia que ganhavam os ideais
do rigor, do interesse nacional, da boa gestão financeira e da integridade. Os
maiores acontecimentos dos seus mandatos foram o primeiro-ministro Sócrates, uma
série de processos-crime a governantes, as piores crises financeiras da
história e as maiores falências de bancos. Os dez anos de Cavaco Silva
coincidiram com a decadência, o endividamento, o pedido de assistência
internacional, a estagnação, o desemprego e a emigração.
A política é cruel. Nunca se dá o
que se promete. Nunca se faz o que se quer.
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Sem Emenda - DN, 3 de Janeiro de 2016
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2 Comments:
Este comentário foi removido pelo autor.
Realmente, a função presidencial parece esvaziada, veja-se até a categoria da maioria dos candidatos. Vasco Pulido Valente chamou-lhes uma galeria de horrores. Pareceu-me um exagero, mas, um dia desta semana, obriguei-me a ouvir um senhor Vitorino de Rans, mais um senhor Sequeira do Minho e o senhor Sampaio da Nóvoa, na televisão. Ouvia e não conseguia acreditar: fazia-me impressão o esforço do entrevistador para não se sentir a conduzir um debate de atrasados mentais, por sinal cordatíssimos. E fiquei a pensar: como é que certas pessoas conseguem 7500 assinaturas para se candidatarem à presidência da república? Hoje, quando expressei o meu espanto junto de colegas de trabalho, um deles disse-me se eu não sabia quanto pode um presidente de junta! E foi então que me espantei muito mais ainda...
A campanha para a presidência é uma palhaçada. Que raio de democracia a nossa!
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