Sem emenda - Refugiados e imigrantes: Portugal
Por António Barreto
Perante uma das mais graves
crises da história recente da Europa, as autoridades portuguesas (Presidente,
Parlamento e Governo, assim como partidos políticos) já deveriam ter tomado uma
posição comum. Sozinho, Portugal pouco poderá fazer. Na União e com a Europa,
muito pode e deve ser feito. Ora, as instâncias internacionais só fazem o que
os seus mandantes querem. No fim da decisão, estão sempre serviços, empresas, funcionários,
médicos e polícias. Todos estes pertencem a países, não à União. Esta tem feito
pouco, porque os seus membros não se entendem. Eis por que Portugal deverá
estar mais empenhado a propor o que a União deve fazer.
Portugal tem fraca tradição no
acolhimento de refugiados. Umas tantas cabeças coroadas dos séculos XIX e XX.
Um ou outro ditador. Alguns milionários. Uns tantos Judeus no século XX. Uns
jovens austríacos logo a seguir à guerra. Uns oriundos dos países comunistas.
Coisa pouca. É pena, dado que o acolhimento de refugiados em busca de liberdade
e segurança é, desde a Antiguidade, um dos grandes sinais de civilização e
decência! Infelizmente, Portugal tem tradição em “fazer refugiados”: Judeus nos
séculos XV e XVI, Jesuítas no século XVIII, padres e freiras nos séculos XIX e
XX, liberais e miguelistas no século XIX, republicanos, monárquicos,
democratas, socialistas e comunistas no século XX.
Mais tradição tem Portugal como
fonte de emigrantes. Foram três ou quatro milhões durante os séculos XIX a XXI.
Para todo o mundo. No acolhimento, temos menos prática. Nos anos 1974 a 1976,
talvez 600.000 repatriados, expatriados e retornados. Depois disso, 100.000
brasileiros, outros tantos ucranianos, 70.000 outros lusófonos e umas dezenas
de milhares de outras nacionalidades. Esta experiência poderá servir-nos, mas a
verdade é que só há imigrantes quando há oportunidades e emprego. Ora, a curto
prazo, não parece haver nada disso.
Portugal deve receber refugiados.
Deve distinguir entre nacionalidades, situações, objectivos e circunstâncias.
Deve receber de uma maneira os refugiados e de outra os imigrantes. Deve ser
mais generoso com os primeiros e muito mais rigoroso com os segundos. Os
refugiados devem poder gozar de apoios excepcionais, mas limitados no tempo. Direitos
e deveres dos refugiados devem deixar de ser extraordinários a breve prazo. O
número de refugiados que Portugal está disposto a aceitar deve ser anunciado,
com todas as condições necessárias: circunstâncias, origem e procedimentos
legais. A fixação de limites, tão generosos quanto possível, tem a vantagem de
permitir prever recursos, dispositivos jurídicos e condições de instalação,
além de conferir a autoridade de rejeitar candidaturas e deportar quem o deva
ser. Os refugiados não serão distribuídos como mercadoria ou animais, mas sim
como seres humanos que têm alguma coisa a dizer sobre o seu destino.
Sobre matéria tão difícil e
delicada, não poderia o Parlamento chegar a uma posição comum à grande maioria?
Não poderia realizar um debate sereno, sem vozes estridentes e sem as armas de
arremesso habituais, a fim de delinear uma posição consistente de Portugal? Não
poderiam o governo e o Presidente da República associar-se? Não seria possível,
por exemplo, estabelecer quantitativos de refugiados e definir montantes de
despesa excepcionais? Especificar as circunstâncias e os países de origem deste
acolhimento extraordinário? Fazer um elenco claro dos direitos e dos deveres
desses refugiados, a fim de consagrar a humanidade, mas também a igualdade
relativamente aos cidadãos nacionais e outros imigrados?
O Primeiro-ministro António Costa
surpreendeu, curiosamente em Bruxelas, com o anúncio de que Portugal estaria
disposto a receber 10.000 refugiados a seleccionar entre os que já residem em
certos países europeus (na verdade, acrescentar 5.000 aos quase outros tantos
“distribuídos” pela União). Muito bem. Um limite quantitativo, que traduz uma
vontade e uma disposição, foi anunciado. Não foi preciso ficar à espera. Por
isso, aplauso. Mas tudo leva a crer que não estejamos perante uma decisão
sólida. Os cálculos não estavam feitos. As condições não foram anunciadas. As
questões mais difíceis não são referidas (Com que recursos? De que países? Em
que condições? Como serão alojados e empregados? Com que garantias individuais?
Com que deveres? Com que direitos?). O acordo amplo com partidos não foi
tentado, foi mesmo evitado, o que trará dificuldades subsequentes. O actual
Presidente da República e o Presidente eleito não foram comprometidos. Não se sabe
se é um propósito firme ou de um anúncio para consumo europeu e moeda de troca para
negociações com as entidades europeias. O Primeiro-ministro mostrará a sua
sinceridade se esclarecer todas estas dúvidas e se tornar nacional o que pode
ser apenas uma invenção. Portugal, país aberto, bem o merece.
DN, 14 de Fevereiro de
2016
1 Comments:
Boas as sugestões.
Pertinentes e sensatas as considerações.
Será que "alguém" as "leu"?
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