Sem emenda - Serviço e ambição
Por António Barreto
Todos os Presidentes da República
pensam que o seu cargo não é o fim da carreira. Nem uma recompensa, muito menos
uma reforma dourada. Todos até hoje desejaram marcar a diferença, acrescentar
qualquer coisa, mudar a história, alterar o curso dos acontecimentos. Depois…
não deu nada. Ou pouco. Não houve oportunidade. Não souberam. Preferiram as
delícias dos jardins de Belém. Sentiram o peso da idade. Ou simplesmente
acharam que ter chegado ali já era um êxito e que não valia a pena ter excesso
de zelo. Com a excepção da pacificação dos militares levada a cabo por Eanes,
todos, pelas boas e más razões, abdicaram da ambição e limitaram-se ao serviço.
O que não parece ter desagradado ao eleitorado, pois todos foram reeleitos. Uns
com aumento de votos (Eanes e Soares), outros com perdas (Sampaio e Cavaco).
Um balanço dos quarenta anos que
levamos de democracia diz-nos que nenhum presidente se portou realmente mal.
Nenhum falhou. Nenhum desiludiu nas suas funções de serviço e de último
garante. Todos terminaram com a certeza do dever cumprido. Mas também com a
sensação de terem ficado aquém da ambição que alimentaram num ou noutro
momento. E sobretudo longe do que muitos esperavam que eles tivessem feito. Esta
evolução fez com que a função presidencial se tenha vindo a reduzir e limitar.
O cargo já não é hoje o que foi ou o que se esperava que fosse. Parece mais uma
luz de presença do que um farol.
Este percurso foi confirmado pelo
mandato de Cavaco Silva. Não obstante as más sondagens, a maior parte do que não
esteve bem, nestes últimos quinze anos, não foi da sua responsabilidade. O
problema é que ele não conseguiu diminuir as consequências do que correu mal,
não soube prevenir ou evitar. Nem encontrar maneira de ultrapassar os problemas.
O que esteve mal? O endividamento. O falhanço da Justiça. A corrupção. A
divisão dos portugueses. O despertar de uma espécie de clima de “oposição entre
regimes”. E a crispação dos políticos. Nada foi culpa de Cavaco. A ponto de nada
disto poder ser apagado só porque temos um Presidente novo, só porque temos
Marcelo. A este compete pelo menos tentar evitar, diminuir, reduzir, prevenir…
Mas a fonte dos problemas está lá, inteira. A pobreza. A demagogia. A
corrupção. O endividamento. A crise internacional. A indefinição europeia.
A campanha de Marcelo, a sua
formidável vitória e o seu auspicioso começo não chegam para resolver os
problemas acima referidos e que ficam, intactos, à espera de resolução. Não por
ele. Mas eventualmente com ele. Dentro de cinco anos, ou dez, se o regime
português, a Constituição, o sistema eleitoral e a Justiça estiverem
exactamente iguais ao que são hoje, a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa terá
sido apenas mais uma. A acrescentar às quatro que precederam e aos quarenta
anos que antecederam. Estou convencido que o novo Presidente está pronto para o
serviço e tem forte ambição. Não sabemos se o primeiro lhe basta ou se a
segunda o tenta. Mas ele sabe que, sem ambição e sem obra, será apenas mais um.
O novo Presidente já mostrou com
brilho que tem maneira própria e estilo pessoal. Campanha, eleição, posse e
primeiros dias: únicos e inéditos. Mas foi tudo espuma. O trabalho duro vem
agora, começa esta semana. É difícil pensar que Marcelo fique satisfeito com o
que conquistou. E tranquilo com o que tem. Ele sabe que o Presidente da República
é o único factor de mudança do regime. Ninguém o quer mudar. Ou antes, os que
querem, não podem. Os que podem, não querem nem têm a mesma ideia sobre a
mudança. E ninguém sabe se o Presidente quer ou não fazer evoluir o regime. Se
não quer, pior para ambos.
DN, 13 de Março de
2016
Etiquetas: AMB
1 Comments:
Marcelo Rebelo de Sousa tem estatura e brilho para dar tessitura e dimensão à função presidencial. E dispõe também de um factor propiciador que resulta do facto de suceder a um presidente medíocre, de quem o país estava farto.
Se não for assim, o cargo passará a valer e a contar (muito) pouco.
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