28.8.16

Sem emenda - Pobre património

Por António Barreto
A discussão, sem fim, dura há dezenas de anos. Vai tendo, conforme os tempos, problemas e soluções diferentes. Que grau de prioridade deve ser atribuída à inventariação, à preservação, ao estudo e à divulgação do património edificado? Muito? Tudo de que precisa? Medianamente? Deixado ao mecenato privado? É mais importante do que as “artes vivas” ou “performativas”, como se diz agora? Mais ou menos importante do que a música, a literatura, a pintura, o cinema e a escultura? Dentro da área vastíssima da cultura e do ponto de vista das politicas públicas, o que é mais importante, o património erudito e a “alta cultura” ou as artes e tradições populares? A investigação é mais importante do que a divulgação? O estudo é mais urgente do que a disseminação popular e de massas?

A resposta mais fácil é aquela que está no espírito de muita gente. Tudo é urgente, tudo é prioritário, não se deve subestimar nenhuma área, todas as artes são importantes, todas as formas de cultura são decisivas, todas as manifestações do espírito são indispensáveis, o passado é tão importante quanto o presente e o futuro. São conhecidos esses argumentos. Que não servem para nada, a não ser alimentar a polémica e manter vivas as expectativas dos grupos de interesses.

            A verdade é que é importante estabelecer prioridades a partir de vários critérios: a beleza, a raridade, a importância, o valor, o significado, o conhecimento, o contexto histórico, o custo, o perigo de deterioração, a ameaça de destruição, o risco de apropriação indevida… É difícil enumerar tudo. Mas o estabelecimento de prioridades tem de responder a muitos desses critérios. Até porque nunca há dinheiro para tudo.

A prioridade política deveria ser atribuída ao património histórico e cultural, nomeadamente o edificado. O estudo, a investigação e a preservação deveriam ser as actividades prioritárias. Certas áreas do património não deveriam nunca ser objecto de apropriação privada ou mercantil. O mecenato privado de carácter comercial e publicitário deveria ser uma faculdade acessória, discreta e condicionada, sendo privilegiado o investimento público. As universidades, as associações culturais, profissionais e científicas deveriam ser chamadas a colaborar. Os monumentos deveriam ser rigorosamente estudados, investigados, acompanhados e protegidos.

Entre a penúria pública e a ganância privada, muitos monumentos vegetam sem meios nem técnicos. Visitei recentemente alguns dos mais conhecidos: mosteiro de Alcobaça, convento de Cristo em Tomar, convento de Mafra, torre de Belém, mosteiro dos Jerónimos, igreja da Memória em Lisboa, ermida de Nossa Senhora da Conceição em Tomar, igreja de São Vicente de Fora, santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel, aqueduto dos Pegões em Tomar… Em todos estes sítios, que sei serem alguns dos mais bem arranjados, detectei progressos enormes, em comparação com o que se via há trinta ou quarenta anos. Mais limpos, mais acessíveis, por vezes menos abandonados. Mas ainda hoje há faltas e falhas imperdoáveis! O pessoal técnico é insuficiente. Há miséria absoluta nas oficinas de restauro. É gritante a falta de verba, de meios e de técnicos de restauro e de conservação. É diminuta a formação técnica e cultural. São muitas as infiltrações nas paredes. Abundam a erva e arbustos nos telhados. Há, por todo o lado, azulejos caídos e janelas quebradas. Ainda se vêem alas inteiras arruinadas e claustros a caírem de podre. Quase todos carecem de indicações e sinalização suficientes. Há, por falta de condições de segurança, edifícios ou partes deles inacessíveis.

O que faz falta é enorme. Por isso deve ser prioridade, em detrimento dos esforços feitos para agradar a clientelas e à “intermediação eleitoral”. E em prejuízo do que “dá nas vistas”. Sabemos que os monumentos não votam. Mas as pedras podem um dia cair sobre quem não cumpre os seus deveres.
DN, 28 de Agosto de 2016


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