Sem emenda - O Outono socialista
Por António Barreto
A direita diz que não, a esquerda
diz que sim. Mas esquerda e direita ainda existem e são diferentes. Quando
ambas são democráticas, o que pode acontecer, não são totalmente contraditórias
e exclusivas. Distinguem-se, entre outras, pela eficiência (do lado da direita)
e pela igualdade (do lado da esquerda). Uma é mais individualista, a direita,
outra mais colectivista, a esquerda. Uma, a direita, presta mais atenção à
propriedade, outra, a esquerda, prefere a posse comum. Uma olha com especial
interesse para a empresa, a direita, outra para o Estado, a esquerda.
Mas também têm valores comuns,
como a liberdade. Ou então a democracia, a política externa e muitos aspectos
do Estado providência, hoje Estado social europeu. Quem negar esta comunidade
de valores e de história pretende regressar à política da luta de classes e da
guerra civil e não parece ter muito empenho na liberdade. Quando se regressa à
retórica da esquerda contra a direita, da classe contra classe, há razões para
recear o pior. Em particular, há motivos para pensar que a esquerda democrática
deixa de considerar a liberdade como a prioridade da sua política.
Ora, a política portuguesa mudou desde
há quase um ano e tem agora uma nova semântica. A oposição entre esquerda e
direita voltou à primeira página. No poder e a tentar construir uma solução
parlamentar inédita, a esquerda reintroduziu uma liturgia repetitiva que agora
serve de pensamento. O que é de esquerda bom. O que é de direita é mau. E não
há mais espaço para argumentação. O Partido Socialista tem-se deixado contaminar
por este palavreado.
No parlamento, é frequente ouvir
esse supremo insulto que consiste em designar “de direita” uma opinião ou um
projecto. Nos comícios de fim-de-semana, preparados para encher os tempos
mortos da televisão, socialistas, bloquistas e comunistas surgem com
assiduidade e mostram a delicadeza do seu raciocínio: é de direita, é mau. É de
esquerda, é cá dos nossos, é bom.
É grave o facto de o Partido
Socialista ter vindo a adoptar clichés da extrema-esquerda, com os quais se
entretém a substituir o pensamento. Em particular, tudo o que respeita à
liberdade e à igualdade. O PS prefere a igualdade e o Estado. Se o PS envereda
por este caminho suicida, não só se prepara para se afastar da área do poder
por muitos anos, como está a fazer com que Portugal fique privado de soluções
de governo que tenham inspiração no universo da esquerda democrática. O melhor
da esquerda consiste em ganhar o centro e convencer parte da direita às suas
ideias e aos seus programas. O pior da esquerda consiste em transformar-se em
porta-voz do jacobinismo e da longa tradição anti-democrática de uma parte
dessa esquerda.
O Partido Socialista de António
Costa está a contrariar relevantes tradições da esquerda democrática,
nomeadamente a “equação” liberdade versus igualdade. Há várias décadas que o PS
entendeu que a liberdade era o programa prioritário, a causa primeira e a
inspiração principal. O que distinguiu o PS dos outros grupos de esquerda e de
extrema-esquerda, designadamente o Partido Comunista, era, entre outras, essa
questão. Para os esquerdistas mais robustos, a prioridade é a igualdade e a
liberdade deve-se-lhe subordinar. Para os socialistas, a liberdade, como valor
e objectivo, ou como instrumento, impõe-se. Esta diferença foi actualmente posta
em causa. Para obterem o apoio parlamentar de que necessitam, assim como a
complacência nas ruas ou a cumplicidade nas instituições e nas empresas, o PS e
o governo dão todos os dias sinais de que a igualdade é o seu combate
primordial. Nenhuma revolução vale a liberdade.
DN, 14 de Agosto de
2016
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2 Comments:
De uma forma simples,clara e concisa o Dr António Barreto colocou as " ideologias" no seu respectivo lugar Relativamente ao PCP não restarão dúvidas que a igualdade se sobrepõe à liberdade Mas,relativamente ao BE pela forma jovial e festivaleira como passa a sua mensagem deixa em muita gente a impressão que a liberdade é o seu principal objectivo É, eu digo: Olhem que não...Olhem que não...
Não concordo que a esquerda queira defender a igualdade. Quer é defender os interesses instalados, isso sim.
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