Sem emenda - Justiça, senhores, Justiça!
Por António Barreto
As notícias relativas à Justiça
vão-se sucedendo. Em geral, não são boas. As dos atrasos dos processos são as
mais frequentes e as que mais protestos suscitam. São 700 dias por processo, em
média, três vezes mais do que na Espanha! Mas há mais. Em particular a luta
corporativa e política que atravessa o mundo judiciário.
Segundo os jornais, o director
nacional da Polícia Judiciária, Almeida Rodrigues, apresentou queixa, no Conselho
Superior de Magistratura, contra o Juiz do Tribunal de Instrução Criminal,
Carlos Alexandre, por este ter “violado os deveres de correcção, imparcialidade
e reserva”. Repita-se: o principal responsável pela polícia criminal processou
o principal responsável pela instrução criminal e acusou-o de “desconhecer a
lei”.
Também segundo os jornais, a
Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, determinou mais um
adiamento do prazo estabelecido para terminar a investigação do processo José
Sócrates, enquadrado na Operação Marquês. Desta vez trata-se de um adiamento
sem prazo, ou antes, de um adiamento com prazo condicionado por um factor
incerto.
Há poucas semanas, um despacho de
arquivamento de processo Dias Loureiro trouxe novidades à prática judicial
portuguesa. Não sabemos se será criada ou não uma nova tradição de, em despacho
de arquivamento, proferir acusações, levantar suspeitas e exprimir acusações
implícitas. Mas é uma novidade.
Todas as semanas os jornais e as
televisões enchem-se com casos de justiça. É um dos campos mais férteis. Além
dos crimes de sangue e sexo, o que atrai multidões é o crime económico, a
corrupção dos políticos e a fraude dos banqueiros. Resume-se em poucas linhas o
que se diz da justiça no nosso país. O país é pobre. Os Portugueses invejosos.
O povo inculto. Os ricos poderosos. Os políticos desavergonhados. Os juízes
incompetentes. As polícias corruptas. A justiça burocrática. O ministério
público prepotente. Os advogados gananciosos. E os jornalistas safados.
Nos estudos de opinião, os
magistrados e os tribunais aparecem hoje quase sempre em último lugar nas
preferências dos cidadãos. Depois dos políticos e dos deputados! Depois dos
ricos e dos empresários! Depois dos advogados e dos jornalistas!
Quase todos os processos
relativos a fortunas, bancos, corrupção, fraude fiscal e branqueamento de
capitais demoram, duram, atrasam-se e arrastam-se penosamente, para alegria de
todos quantos se entusiasmam com as fugas de informação e as violações de
segredo de justiça.
Vivemos tempos confrangedores.
Criticar os atrasos da investigação no caso Sócrates é ser amigo de Sócrates.
Eventualmente cúmplice. Protestar contra os despachos no caso Dias Loureiro é
ser amigo de Dias Loureiro. Eventualmente sócio. Parece que criticar o que de
mal se faz no processo, na investigação e na instrução é apoiar os arguidos.
Bandidos ricos e pobres são iguais para a justiça. Inocentes fracos e fortes
são iguais para a justiça. O da direita e o da esquerda são iguais para a
justiça. Criticar a má justiça não significa apoiar criminosos e corruptos.
Olha-se em volta à procura de
quem possa ter uma acção eficaz e isenta. Conselhos, Ordens, Associações e
Sindicatos? Nem pensar. Do Parlamento nada se espera: os deputados sempre
tiveram medo dos magistrados e das polícias. Por onde caminhar? Qual o caminho
das pedras?
As reformas globais já não
servem. Nada melhor do que uma reforma integral para ficar tudo na mesma. Passo
a passo, gesto a gesto, melhoramento em melhoramento, talvez…
A Ministra da Justiça é uma magistrada
séria e competente. Respeitada e experiente. Dela nunca se receia acção que
fira a independência de julgamento da magistratura. Mas dela se pode esperar
que mande efectuar uma espécie de auditoria aos casos mais gritantes de atraso
e incompetência. Ou que levantam fundadas dúvidas. Umas poucas dúzias de
processos. Os mais complexos. Os mais notórios. Os mais atrasados.
O Presidente da República é um
jurista experiente. Sempre cultivou uma ideia forte do Estado de direito e da
democracia. Ele sabe o que não deve fazer. A esperança é a de que explore o que
pode fazer. Por exemplo, um Livro branco sobre aspectos importantes da Justiça.
O atraso? A desigualdade? O crime de colarinho?
A autogestão da Justiça foi a
pior solução inventada para fundar a independência dos tribunais. Já não é cedo
para liquidar esta espécie de impunidade.
DN, 30 de Abril de
2017
Etiquetas: AMB
2 Comments:
Muito clarividente. Subscrevo totalmente!
Não é,por falta de análises lúcidas,como esta feita pelo Dr António Barreto,que não se processa a uma verdadeira reforma na Justiça.Quais as verdadeiras razões,que impedem a sua realização?Talvez,também,fosse importante analisar...
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