30.4.17

Sem emenda - Justiça, senhores, Justiça!

Por António Barreto
As notícias relativas à Justiça vão-se sucedendo. Em geral, não são boas. As dos atrasos dos processos são as mais frequentes e as que mais protestos suscitam. São 700 dias por processo, em média, três vezes mais do que na Espanha! Mas há mais. Em particular a luta corporativa e política que atravessa o mundo judiciário.

Segundo os jornais, o director nacional da Polícia Judiciária, Almeida Rodrigues, apresentou queixa, no Conselho Superior de Magistratura, contra o Juiz do Tribunal de Instrução Criminal, Carlos Alexandre, por este ter “violado os deveres de correcção, imparcialidade e reserva”. Repita-se: o principal responsável pela polícia criminal processou o principal responsável pela instrução criminal e acusou-o de “desconhecer a lei”.

Também segundo os jornais, a Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, determinou mais um adiamento do prazo estabelecido para terminar a investigação do processo José Sócrates, enquadrado na Operação Marquês. Desta vez trata-se de um adiamento sem prazo, ou antes, de um adiamento com prazo condicionado por um factor incerto.

Há poucas semanas, um despacho de arquivamento de processo Dias Loureiro trouxe novidades à prática judicial portuguesa. Não sabemos se será criada ou não uma nova tradição de, em despacho de arquivamento, proferir acusações, levantar suspeitas e exprimir acusações implícitas. Mas é uma novidade.

Todas as semanas os jornais e as televisões enchem-se com casos de justiça. É um dos campos mais férteis. Além dos crimes de sangue e sexo, o que atrai multidões é o crime económico, a corrupção dos políticos e a fraude dos banqueiros. Resume-se em poucas linhas o que se diz da justiça no nosso país. O país é pobre. Os Portugueses invejosos. O povo inculto. Os ricos poderosos. Os políticos desavergonhados. Os juízes incompetentes. As polícias corruptas. A justiça burocrática. O ministério público prepotente. Os advogados gananciosos. E os jornalistas safados.

Nos estudos de opinião, os magistrados e os tribunais aparecem hoje quase sempre em último lugar nas preferências dos cidadãos. Depois dos políticos e dos deputados! Depois dos ricos e dos empresários! Depois dos advogados e dos jornalistas!

Quase todos os processos relativos a fortunas, bancos, corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais demoram, duram, atrasam-se e arrastam-se penosamente, para alegria de todos quantos se entusiasmam com as fugas de informação e as violações de segredo de justiça.

Vivemos tempos confrangedores. Criticar os atrasos da investigação no caso Sócrates é ser amigo de Sócrates. Eventualmente cúmplice. Protestar contra os despachos no caso Dias Loureiro é ser amigo de Dias Loureiro. Eventualmente sócio. Parece que criticar o que de mal se faz no processo, na investigação e na instrução é apoiar os arguidos. Bandidos ricos e pobres são iguais para a justiça. Inocentes fracos e fortes são iguais para a justiça. O da direita e o da esquerda são iguais para a justiça. Criticar a má justiça não significa apoiar criminosos e corruptos.

Olha-se em volta à procura de quem possa ter uma acção eficaz e isenta. Conselhos, Ordens, Associações e Sindicatos? Nem pensar. Do Parlamento nada se espera: os deputados sempre tiveram medo dos magistrados e das polícias. Por onde caminhar? Qual o caminho das pedras?

As reformas globais já não servem. Nada melhor do que uma reforma integral para ficar tudo na mesma. Passo a passo, gesto a gesto, melhoramento em melhoramento, talvez…

A Ministra da Justiça é uma magistrada séria e competente. Respeitada e experiente. Dela nunca se receia acção que fira a independência de julgamento da magistratura. Mas dela se pode esperar que mande efectuar uma espécie de auditoria aos casos mais gritantes de atraso e incompetência. Ou que levantam fundadas dúvidas. Umas poucas dúzias de processos. Os mais complexos. Os mais notórios. Os mais atrasados.

O Presidente da República é um jurista experiente. Sempre cultivou uma ideia forte do Estado de direito e da democracia. Ele sabe o que não deve fazer. A esperança é a de que explore o que pode fazer. Por exemplo, um Livro branco sobre aspectos importantes da Justiça. O atraso? A desigualdade? O crime de colarinho?

A autogestão da Justiça foi a pior solução inventada para fundar a independência dos tribunais. Já não é cedo para liquidar esta espécie de impunidade.

DN, 30 de Abril de 2017

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2 Comments:

Blogger SLGS said...

Muito clarividente. Subscrevo totalmente!

1 de maio de 2017 às 16:12  
Blogger Ilha da lua said...

Não é,por falta de análises lúcidas,como esta feita pelo Dr António Barreto,que não se processa a uma verdadeira reforma na Justiça.Quais as verdadeiras razões,que impedem a sua realização?Talvez,também,fosse importante analisar...

6 de maio de 2017 às 21:21  

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