Blasfémia e liberdade de expressão
Por C. Barroco Esperança
A blasfémia, definida como insulto a Deus, é um ‘crime’ sem vítimas, mas um conceito perigoso para a liberdade de expressão.
A defesa da ofensa faz-se apenas nos Tribunais, de acordo com o Código Penal (CP), e é duvidoso que Deus se constitua como queixoso ou os crentes apresentem procuração para o representar.
No entanto, o anacrónico “crime” medieval, que conduzia às fogueiras, ainda subsiste, no CP de 8 países europeus, laicos e civilizados (Dinamarca, Áustria, Finlândia, Grécia, Espanha, Irlanda, Itália e Portugal) e, disfarçado de “ofensa aos crentes”, desde 1972, em ‘França’, onde foi abolido em 1791. Até no Reino Unido, que o suprimiu em 2002, já apareceu o deputado Jeremy Corbyn a evocar a possibilidade de o reintegrar.
A blasfémia é uma arma política para erradicar religiões minoritárias e um instrumento para condicionar a liberdade de expressão. O Islão serve-se da alegada ofensa para ver nela a apostasia (direto inalienável em países democráticos), para a condenação à morte.
É curioso haver um ‘crime’ que não causa dano, e que muda de trincheira consoante a religião dominante. Chamar amoral a Maomé, quando a religião ainda permite práticas pedófilas, sob o disfarce de casamento, é motivo para condenação à morte.
Criminalizar a blasfémia é confundir o bom ou mau gosto com um delito, e mantê-lo no Código Penal é um anacronismo de legisladores que preferem o comunitarismo à defesa dos valores individuais e sujeitar as sociedades ao risco da ‘verdade divina’.
A jurisprudência lusa privilegia a liberdade de expressão em detrimento do anacronismo legal, mas o mimetismo islâmico aconselha a abolição da reminiscência medieval.
As sociedades democráticas não acolhem bagatelas penais, aliás, injustas, mas a doença endémica das religiões – o fundamentalismo – pode irromper, sendo urgente eliminar a blasfémia do Código Penal e deixá-la no catálogo dos pecados com jurisdição exclusiva do Tribunal divino.
Nada impedirá a forma popular com que os espanhóis se dirigem à hóstia ou nomeiam a Virgem e, ainda menos, as blasfémias italianas, em particular as calabresas, que juntam a bela sonoridade da língua italiana para se dirigirem ao seu Deus.
É inconcebível que sendo a liberdade religiosa legitimada pela liberdade de expressão, possa aquela deslegitimar a fonte da sua própria legitimidade.
Ponte Europa / SorumbáticoEtiquetas: CBE
2 Comments:
Qual o castigo para os que blasfeman contra o bom nome das pessoas? Mais, e se escondem atrás das liberdades de linguagem.
As chicotadas em público lá para os lados das Arábias aplicadas por cá, estou de acordo.
Eu iria assistir.
Presumo, que qualquer democrata é apologista de um estado Laico. Apesar de, ainda, em oito estados democráticos no CP, ainda figurar o crime de ofensas aos crentes, não tenho ideia, de alguém ter sido julgado e punido por este crime. A nível do cinema, da literatura, dos cartoons, todas as ditas "blasfémias" são expressas, sendo contestadas por uns, consideradas de mau gosto por outros, mas não proibidas, como é apanágio da liberdade de expressão. Não há, pois, qualquer possível comparação com o Islão. Neste momento,preocupa-me mais, a excessiva tolerância, que os países democráticos(tão empenhados, e bem, no laicismo dos seus estados) sejam tão laxistas para com o fundamentalismo religioso, vivido dentro de portas, pelas comunidades islâmicas. Algumas mesquitas são verdadeiros locais de incitamento ao terrorismo,para que em nome de um Deus se matem inocentes. É óbvio, que será necessário uma maior integração destas comunidades. É óbvio, que para isso serão necessárias, políticas económicas e sociais, que tragam mais justiça e bem estar para todos. Mas, também, temos, que reconhecer, que, a Europa, mesmo em tempos de crise, tem feito um esforço no sentido do acolhimento e da integração destas comunidades. Penso, que a Europa,dentro em breve, com a escalada brutal do terrorismo religioso, vai ter, que repensar a sua atitude, para que o medo não vá, paulatinamente, destruindo a democracia
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