ÚLTIMA CRÓNICA
Por Alfredo Barroso
Lisboa, 21 de Julho de 2017
Habituei-me
desde muito cedo a escrever sem rodeios e sem hipocrisia, quer como jornalista
profissional quer como cronista político. Foi também assim que participei
activamente na vida pública, desempenhando vários cargos políticos depois do 25
de Abril, ao longo de trinta anos. Não seria agora, com 72 anos, que iria
tornar-me um cronista convencional, “mainstream”, preocupado sobretudo em não
provocar engulhos e peles de galinha.
Quando Mário Ramires e Ana Sá Lopes me
convidaram, há meses, para escrever uma crónica semanal no “i” (sem qualquer remuneração
dadas as dificuldades financeiras do jornal), aceitei de bom grado, ingenuamente
convencido de que o «i» renovado poderia vir a ocupar o espaço deixado vago
pelo “Público” há vários anos, quando José Manuel Fernandes sucedeu a Vicente
Jorge Silva como director, fazendo o jornal guinar subitamente para a direita,
guinada essa que ainda mais se acentuou sob a direcção de David Dinis (que foi,
convém não esquecer, um dos fundadores do diário on-line da direita pura e
dura, o “Observador”).
O certo é que, ao passar a ler o “i” com
mais atenção todos dias (tanto o noticiário político como as inúmeras crónicas
de opinião), percebi que estava a colaborar, salvo poucas excepções, num jornal
de direita, perdido no meio de uma floresta de escrevinhadores fanáticos, alguns
deles de extrema-direita. Não contesto, obviamente, as opções políticas do “i”.
Não será em vão que em democracia se proclama, com ironia ou sem ela, a
“liberdade de pensamento” - como há dias o fez, num curioso post-scriptum, o
director executivo deste jornal.
É verdade que, em quase todas as sociedades
democráticas, há jornais diários de quase todas as tendências políticas. Mas,
neste momento, não é esse o caso em Portugal, onde abundam jornais de direita
(um ou outro de centro-direita) e nenhum jornal diário de esquerda ou centro-esquerda.
O que significa que é cada vez mais difícil, para cronistas politicamente de
esquerda, encontrar espaços onde publicar os seus textos regularmente. Daí que
aceitem escrever em jornais de direita moderada – que, praticamente, são quase
nenhuns.
Infelizmente, o “i” está a tornar-se um
jornal bastante reaccionário, tentando manter algumas “pinceladas” de esquerda
– e eu tenho sido uma delas. Sempre achei, no entanto, que é muito útil a
separação de águas: à direita o que é de direita e à esquerda o que é de
esquerda, como sucede com os melhores jornais e revistas de outros países
democráticos – embora haja vários exemplos intermédios, de centro-direita e
centro-esquerda, onde a convivência e a coexistência pacífica são possíveis.
Todavia, perante o actual panorama de jornais diários generalistas em Portugal –
e pondo de lado o populista e predatório “Correio da Manhã” –, considero que o
“i” é, actualmente, o mais à direita dos outros quatro jornais diários
generalistas, ou seja, mais à direita que o “Público”, o “DN” e o “JN” – chegando
por vezes a querer competir com o “CM”.
Será fácil perceber o desconforto que sinto
em colaborar no “i”, desconforto esse que aumentou exponencialmente nas últimas
semanas. Decidi, por isso, pôr termo à minha colaboração neste jornal. Agradeço
o convite do Mário Ramires e da Ana Sá Lopes, mas não quero continuar a fazer
parte do “ornitorrinco político” em que se transformou o “i”.
Sei bem que não será nada fácil voltar a
escrever regularmente num jornal diário, mas desejo ser coerente com o meu
ideário de esquerda e estar de bem com a minha consciência, preservando a minha
autonomia – sobretudo desde que decidi, há dois anos, abandonar o PS (de que
fui um dos fundadores em Abril de 1973). Tenho apoiado, como se sabe, várias
políticas defendidas pelo Bloco de Esquerda, por concordar com elas. E também é
verdade que me tenho batido, há vários anos, por acordos e convergências
possíveis entre o PS e os partidos à sua esquerda. Mas nada disso tem beliscado
a minha independência política e identidade própria.
Fui jornalista profissional antes do 25 de
Abril (nos jornais “A Capital” e “O Século”) e é curioso recordar que, nessa
altura, eram os coronéis da Comissão de Censura que, usando e abusando do “lápis
azul”, separavam involuntariamente as águas entre os jornais afectos ao regime
e os que não estavam dependentes dele nem o apoiavam. Hoje, já não há “lápis
azul” mas também não há jornais de esquerda ou centro-esquerda. O dinheiro é
que manda. É lamentável.
P.S.:
Como decidi deixar de ser “inquilino” deste jornal, não respondo mais às
provocações e insultos “evangélicos” do Doutor Leitão (quem optou pelo
diminutivo “dr.” foi o “i”, não eu). Ele
que se regozije, mas não abuse dos festejos. Sou, como agora se diz,
“resiliente”
Etiquetas: AB
5 Comments:
Espero que a falta que sinto da prosa de Alfredo Barroso no Sorumbático regresse de novo.
Subscrevo o comentário anterior
Pois tem bom remédio: escreva no sorumbático.
Eu lerei sempre.
Presunção em excesso cheira a radicalismo sem sustentação.Quem tem bons padrinhos pode sempre dizer umas bacuradas.
Áparte disso ouço-o e leio com agrado.
Penso que os artigos de opinião do Dr Alfredo Barroso no jornal i,não foram em vão. Contribuíram,certamente,para muitos leitores formarem uma opinião mais correcta sobre determinados assuntos Essa é a grande riqueza da democracia!
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