Sem emenda - Gente sem culpa
Por António Barreto
O Presidente da República tem uma
maneira muito própria de intervir: exibe o seu optimismo, garante que o que
deve ser feito está a ser feito e afirma que o governo está a tomar conta. Este
comportamento tem vantagens e riscos. Os ganhos são evidentes e já tivemos
várias experiências, a começar pelos incêndios e Tancos, por exemplo. O governo
assobiava, mas, perante a acção do Presidente, teve de passar ao acto. Toda a
gente ficou a ganhar. Mas os perigos são também evidentes. Com efeito, se vier
a verificar-se que o governo não faz, o PR passa por mentiroso e fica na
obrigação de tomar medidas excepcionais.
De qualquer modo vivemos um
período fascinante. O governo estabeleceu uma coligação inédita, fez uma
aliança estranha e encontrou uma solução inovadora. O Presidente, por seu
turno, definiu um estilo próprio, um comportamento singular e uma actuação imaginativa.
Ambos, presidente e governo, estão a contribuir para a reforma política e a
criação de variedades constitucionais. É obra importante.
Não sabemos se este processo tem
um fim feliz ou infeliz. Logo se verá. Mas, para compensar, há outros
desenvolvimentos que podem ter desenlaces nefastos. A começar pela impunidade
nas áreas dos grandes negócios e da corrupção.
Entre parcerias e aventureiros,
há centenas de pessoas que lucraram com decisões dos governos, com medidas
tomadas pelas administrações dos bancos e de empresas privadas e públicas,
medidas essas e decisões aquelas pensadas para defraudar e roubar bens empresariais
ou públicos. Há gente que enriqueceu, sem criar valor, só porque recebeu
crédito sem garantias. Há gente que concedeu esses créditos e recebeu prémios.
Há políticos e gestores públicos nessa condição. Há gestores privados,
banqueiros e empresários, nessa situação. Há sobretudo as decisões formalmente
lícitas, que fizeram a ruína do sistema financeiro português! As designações de
“crédito mal parado” e de “imparidades” são eufemismos que, na maior parte dos
casos, significam fraude, corrupção, gestão danosa, destruição deliberada de
valor e locupletação indevida com cumplicidade política! Onde está esta gente? Onde
estão os dinheiros que desapareceram?
São todos honestos até ser
provado o contrário. São todos inocentes até se ter a certeza de que são culpados.
Mas vai ser tão difícil, tão complexo demonstrar a culpa! As decisões dos
governos que aprovaram projectos inviáveis, apoiaram créditos impossíveis,
garantiram compradores inexistentes, deram aval a negócios improváveis e
viabilizaram empreendimentos ruinosos serão sempre decisões políticas lícitas,
com boas intenções e com a certeza da procura do bem comum. Demonstrar que tudo
isso era uma armadilha e um assalto à riqueza pública vai ser praticamente
impossível. E se tal for demonstrado, a incapacidade da justiça, os poderes dos
advogados, a influência dos partidos e as artes imaginativas dos recursos e
garantias farão com que a maior parte desta gente nunca sinta a culpa, muito
menos o castigo. Foi tudo a bem do povo. Mas, entretanto, faliram empresas,
arruinaram-se bancos, desapareceram milhares de milhões volatilizados, foram
dados sinais de que se pode capturar o Estado, vender papel que nada vale,
oferecer crédito sem retorno, financiar obras sem viabilidade e apoiar
projectos sem utilidade.
Estamos perante uma situação
confrangedora de incompetência de polícias e de ladrões, quer dizer, de
inspectores, procuradores, magistrados, secretários de Estado, ministros,
gestores e banqueiros. Tire-se da cabeça a ideia ou a esperança de poder ver,
um dia, na presente ou na próxima década, explicações cabais para o que se
passou, esclarecimentos dos mistérios ocorridos, julgamentos e condenação de
criminosos! De recurso em recurso, de adiamento em adiamento, de chicana em
chicana, de impossibilidade de provar em dificuldade em demonstrar, não haverá
responsáveis nem culpados!
DN, 21 de Janeiro de
2018
Etiquetas: AMB
1 Comments:
Não posso estar mais de acordo.
A impotência do cidadão comum é total, quer dizer, a sua desvantagem, ou seja, a sua obrigação de tudo pagar. Lá quem roubou roubou e muito contente ficou. E fica(rá).
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