8.2.19

Contra Tudo e Todos

Um consultor é alguém que, estando na posse de conhecimentos valiosos acerca de determinada actividade, os disponibiliza a quem deles necessita, em princípio a troco de dinheiro. No caso mais frequente de o seu cliente ser uma empresa, ele chega, estuda a especificidade do negócio, dá os seus conselhos, apresenta a conta, e vai à sua vida. Porém, quando se trata de uma empresa em crise avançada, esses conselhos, por muito bons que sejam, podem não bastar, sendo preciso, então, fazer algo mais — e é assim:

Depois de uns quantos sorrisos para a direita e para a esquerda, o sábio senta-se, arregaça as mangas, e proclama: “Vamos a isto, meus senhores!, venham de lá esses números!”. 
Apresentam-lhos, ele observa-os com atenção, e, depois de fazer “Humm...” repetidamente, escolhe dois: o valor da FACTURAÇÃO e o NÚMERO DE EMPREGADOS.
Em seguida, divide o primeiro pelo segundo e compara o resultado com o que já traz escrito na cábula: se a empresa fabrica peúgas, o valor deve ser maior do que X; se produz chouriços, deverá ser maior do que Y...
Dependendo do resultado da conta, é, pois, possível que chegue à conclusão que o cliente ganhará mais se fechar o negócio, empandeirando os empregados todos e alugando as instalações para um Alojamento Local ou um bar de alterne.
Mas também pode suceder que a empresa não esteja “com os pés para a cova”. Se assim for, há que encarar as duas únicas formas de melhorar o valor da tal fracção: ou facturando mais, ou diminuindo o número de empregados.
O que acontece é que a primeira solução implica que o consultor tenha algum conhecimento do negócio — o que só por acaso sucede com quem anda a vender palpites “genéricos” — embora não faltem por aí os que garantem que “isso não interessa nada”. Bem, se for um destes sábios que lhe calhou na rifa, então é muito provável que o empresário o veja tirar da cartola uma solução milagrosa: “fechar coisas e despedir gente” — o que, não poucas vezes, “é música para os ouvidos” dos patrões mais toscos. E então, uma vez adoptado esse caminho, lá vai tudo de roldão, desde as ovelhas ronhosas que não estão lá a fazer nada, até ao trabalhador mais qualificado sem o qual a empresa mal sobreviverá. 
Seja como for, e dado que está em causa um organismo vivo e com alguma inércia, as coisas demorarão algum tempo a processar-se; os resultados demorarão também algum tempo a aparecer — e nessa altura já o mago estará bem longe e com o seu saldo bancário melhorado.
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Como se sabe, os moradores da Luz estão a sentir na pele os efeitos desses “Artistas do Corta & Fecha” mas, se calhar, além de protestarem, pouco poderão fazer — um desses até lhes pode ter dito “Tirem o CAVALINHO da chuva”, porventura comentando em seguida, olhando em redor: “Vamos embora, o último a sair apaga... a Luz!”. 
Aqui chegados, é irresistível trazer à colação a história do “Cavalo do Inglês”, aquele a quem o dono se lembrou de cortar um pouco na aveia; e como, no dia seguinte, o animal aparentava continuar de boa saúde, o homem lá prosseguiu na sua experiência, cortando todos os dias mais um pouco na ração... até que o cavalo morreu de fome — «Olha que azar o meu! Logo agora, que o bicho começava a dar lucro!».
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"Correio de Lagos" de Janeiro de 2019

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