28.8.20

Disparates

Por Joaquim Letria

Hoje ouve-se e diz-se disparates com grande facilidade e impunidade. É natural. As palavras soletram-se à vontade do freguês sob o manto protector do malfadado acordo ortográfico, a memória transformou-se numa vaga ideia e o rigor da verdade é cada vez mais trémulo e, muitas vezes, jaze mesmo inanimado no ruído das vozes e pensamentos que se cruzam neste atoleiro, sem corresponder à verdade dos factos e em total ausência de raciocínio.

Durante anos combati organizadamente a ditadura mas nunca tive o descaramento de me intitular anti-fascista. Lutei apenas com milhares de outros pela liberdade e pela justiça, submetendo-nos consciente e clandestinamente a uma pena de dois a oito anos de cadeia nos Fortes de Caxias ou de Peniche se fôssemos apanhados. E quando veio a liberdade cheguei-me, feliz, para trás e fiquei a ver, a procurar ajudar e, por vezes, a quedar-me desiludido com o que veio por aí fora.

Agora os anti-fascistas são às dezenas, auto-intitulam-se, organizam-se e marcham pelas ruas não percebendo nós muito bem quem lhes faz o jeito de serem os fascistas contra os quais eles devem estar. Parece mal aproveitarem-se duns tontinhos a quem não se pode levar a sério, assim como não é bonito brandir umas supostas ameaças que não sabemos de quem vêm e que são muito difíceis de acreditar.

Devendo tudo isto, na minha modesta opinião, ser encarado, visto e investigado como um mero caso de polícia, oxalá não venham os investigadores e as secretas a descobrirem que tudo não passa, afinal, duma manobra propagandística que muito bem serve os dois lados e que bem pode ter sido lançada por um moderno Rui Pinto, criaturas agora muito na moda e de grande utilidade para os políticos de ocasião.

MUDANDO DE DISPARATE

Às 16 e 32 do passado domingo, dia 16 de Agosto, eu ouvia a Rádio Renascença pela qual tenho admiração profissional e ocasionalmente me dá a alegria de escutar a Graça Franco, uma das melhores jornalistas deste país. E foi então que escutei a voz fresca que conduzia a emissão acusar a Raínha Elizabeth II de Inglaterra de não precisar de carta para conduzir, o que era um privilégio da monarquia além dela ter muitos motoristas. É verdade. Além de que no Reino Unido aprende-se a guiar, não se tira a carta. Mas a menina é jovem e não tem quem a ajude a não dizer disparates, senão saberia que Elizabeth entre 1939 e 1945, durante a II Guerra Mundial, passou a vida a guiar ambulâncias sob os bombardeamentos nazis a Londres. Aqui fica um disparate que alguém na RR poderia ter evitado à simpática menina que está em muito boa idade para aprender. Se calhar a culpa é da raínha, que não diz a ninguém que foi anti-fascista…

Publicado no Minho Digital

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3 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

Muitos parabéns Joaquim Letria !Saudades de figuras públicas assim ! De jornalistas também.

30 de agosto de 2020 às 17:27  
Blogger José Batista said...

Muita justeza e pertinência.
Sem esquecer a referência ao malfadado acordo [de quem com quem, em nome e em proveito de quem?] ortográfico.
Haja quem não abdique de esclarecer e ensinar. Precisados estamos nós, e muito mal servidos de (bons) jornalistas, e não só.

30 de agosto de 2020 às 22:01  
Blogger Luís said...

Coitado do acordo ortográfico que não tem culpa nenhuma que se escrevam disparates.

Rainha deixou de ser uma palavra acentuada desde o acordo ortográfico de 1945!

26 de novembro de 2020 às 14:16  

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