SENHORAS E SENHORES: NEM PÃO NEM CIRCO
Por Joaquim Letria
Quando eu era criança, o meu avô Joaquim levava-me sempre ao circo. Não só me levava às estreias dos grandes circos internacionais que actuavam no Coliseu dos Recreios, do Sr. Covões, como voltava a levar-me sempre que o repertório ou elencos dos circos mudavam.
Eu adorava o Coliseu, com arena circular para os circos ou em formato de espectáculo com palco a dominar a sala, face ao camarote presidencial, onde assisti a récitas populares das óperas que na mesma semana o São Carlos apresentava com grandes figuras do bel canto.
Havia milhares de crianças a assistir ao circo e nas férias grandes, nas praias onde se passavam as férias, também aí sempre apareciam versões menores dessas companhias ou elencos de circos muito modestos que animavam as nossas noites.
Hoje, as crianças não têm circo, nem nesta quadra de ano novo que engloba o Natal, período vital para a sobrevivência das companhias de circo. Nas TVS também desapareceram os circos do Soleil (falido) e o de Monte Carlo (incapacitado de se reunir e viajar) por causa da pandemia, e sem público não há artistas que sobrevivam do seu trabalho profissional, muitos deles deitando mão a trabalhos e biscates que lhes permitam não deixarem os filhos passarem fome.
A Associação Portuguesa de Empresários e Artistas de Circo ( APEAC) procura defender os profissionais e os espectáculos de qualquer modo. Mas nunca houve uma ajuda do Estado para esta gente. Em 2017 foi aprovada uma lei que só apoia os artistas de rua e o “circo contemporâneo”, e nunca esta ministra da Cultura recebeu alguém que representasse os profissionais do circo tradicional.
Victor Hugo Cardinali criou o maior circo de Portugal, reconhecido no País e no estrangeiro. Para ficarmos com uma ideia das dificuldades, ele mantém num terreno em Pegões a numerosa família, 25 camiões que transportam o feno, o estrume, a serradura, o único leão que lhe resta, dois elefantes que fazem parte da família há 30 anos, os cãezinhos, cavalos, camelos, bancadas e até casas de banho. Todos os dias esta gente treina, os trapezistas, os malabaristas, os acrobatas, os palhaços, os artistas que ensinam os animais. Muita desta gente sobrevive hoje agarrada a outras coisas: ajudantes de cozinha, choferes, mulheres de limpeza, caixas de supermercados, etc.. Mas ninguém converte a sua tristeza em queixumes. Simplesmente fazem-se à vida.
90 por cento dos 30 circos existentes em Portugal não abriram sequer as bilheteiras este ano. Sem uma única ajuda do governo nem das autarquias, eles pagam Segurança Social, IVA, IUC para coisa nenhuma. Só a circulação de cada camião custa 700 Euros.
Tenho a impressão que aqueles a quem andamos a pagar os ordenados para o governo os pôr no ministério da Cultura não sabem nada do que isto é, e são uns tristes que nunca foram ao circo. Neste momento, em Portugal, há um único circo a trabalhar em Braga e outro na Madeira, que regressará ao continente agora, neste princípio de ano.
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
2 Comments:
«Tenho a impressão»
Ainda? Joaquim. Sinal de fé, não ter certeza.
Fé há muito abandonada.
Governo que inventa ministérios e ajudâncias sem limite, porque há que manter a tribo voto-dependente.
Diz-me a minha costela de eleitor, demasiado tempo, da Rosa.
Por uma Abstenção Geral agora.
Impressionante. Faltava-me a ideia exacta...
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