4.2.21

As vacinas e os oportunistas

Por C. B. Esperança

Quando se acusam de corrupção os políticos, como se fossem uma espécie de celerados, num país de débil cultura cívica e de duvidosa probidade, recordo sempre os pedidos de que ouvia falar na infância, para um lugar de contínuo, polícia ou porteiro de Banco.

Hoje, na ansiedade de uma vacina que pode salvar vidas, vejo os pequenos decisores de lares, hospitais ou instituições prioritárias na vacinação, a incluírem os primos, os filhos e os amigos numa renúncia ao pudor e afronta à dignidade cívica.

São da massa de que eram feitos os próceres da ditadura cujo ADN anda aí na cadeia de transmissão do oportunismo, traficância e troca de favores, sem ética, pudor ou medo.

A veniaga seduz os pequenos decisores, arruína a honra de provedores de santas casas, a santidade de párocos de província, a idoneidade de autarcas de obscuras localidades, e a inveja move os que mais gritam, consome os mais fracos e dilacera os que, em silêncio, ruminam ódio.

É nestas situações de ansiedade e medo que uma legião de delatores está disponível para a denúncia, em gritos estridentes ou na cobardia da carta anónima, na exposição pública da indignação ou no lamento hipócrita bafejado em surdina.

Em quase 46 anos de democracia mudaram pouco os hábitos, a mentalidade e o civismo de um povo que parece regredir a cada sobressalto e regressar à indignidade sempre que a ocasião surge.

O favor da dose da vacina para amigos e familiares, obtida por nepotismo do decisor ou fraude de um imaginativo burocrata é a metáfora inequívoca do país que não deixámos de ser e teimamos em continuar.

Não é apenas o vírus que nos mata, é a falta de decoro que nos faz morrer de vergonha.

Ponte Europa / Sorumbático

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