O QUE JOÃO VILLARET NOS TROUXE
Por Joaquim Letria
Na quinta-feira da semana passada, a RTP2 mostrou um maravilhoso programa sobre João Villaret. Mas se rever e ouvir aquele artista extraordinário que nos enchia de felicidade era um privilégio, recordar o que foi a RTP do tempo da outra senhora é um espanto, para nós que nos recordamos e para aqueles que nunca a viram mas assim podem ficar com uma vaga ideia.
Ainda há pouco tempo o primeiro-ministro brincava com aquela frase que a RTP usava “Pedimos desculpa por esta interrupção, o programa segue dentro de momentos”. Mas ele não faz ideia dos milagres que os técnicos e engenheiros faziam naqueles barracões alugados no Lumiar onde funcionavam os estúdios da RTP até muito depois do 25 de Abril.
Estou à vontade a escrever isto porque embora tivesse lá alguns amigos a trabalhar (José Mensurado, Baptista Bastos, Fernando Lopes, João Moreira, etc.) a RTP para mim era um instrumento da ditadura que eu combatia. E isto era principalmente verdade na informação e no teor dos telejornais, mas há que reconhecer que a programação, a concepção da grelha de programas, tinha uma qualidade inigualável e incomparável para os dias de hoje como parte do programa sobre João Vilaret não pôde deixar de demonstrar.
As histórias contadas por Vilaret – maravilhoso aquele passeio nocturno pela Rua do Arsenal com António Boto e Fernando Pessoa — a paixão que ele tinha pelo Teatro e por Sarah Bernhardt a quem referia em quase todos os programas, a sua revelação da poesia e de brasileiros grandes escritores da língua portuguesa pouco lidos entre nós naquele tempo, como Manuel Bandeira e outros, valiam mais do que alguns cursos universitários dados à pressa que por aí há.
Mas como ignorar os programas de Vitorino Nemésio, José Hermano Saraiva, de David Mourão Ferreira, de António Pedro, extraordinário fundador do Teatro Experimental do Porto, do engº Sousa Veloso que nos metia a lavoura em casa, a única Maria de Lurdes Modesto que nos ensinava as artes da culinária, o programa de João Vilaret, maravilhoso e aguardado por milhões de admiradores que dele se despediram num fantástico funeral que encheu Lisboa de lágrimas, o maestro Vitorino de Almeida a falar-nos desde Viena e as maravilhosas gravações de ópera do São Carlos e do Trindade, o arquitecto Nuno Portas a falar-nos do urbanismo e de Lisboa, os excepcionais programas sobre os primórdios do cinema de António Lopes Ribeiro, acompanhado ao piano pelo maestro António Melo.
E a somar a tudo isto não esqueçamos as gloriosas “Noites de Teatro” com os melhores actores portugueses, as “Noites de Cinema”, e para rematar, no meio de muitas outras coisas que injustamente estou a esquecer, a Telescola, onde muita gente aprendeu a ler, a escrever e a ter noções de história, geografia e português assistindo no Salão Paroquial ou no Café porque pouca gente tinha televisão em casa. Tudo isto Villaret nos trouxe e a RTP2 nos mostrou. Se não viu, ande para trás, se puder, e veja!
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
1 Comments:
E, que me recorde, faltam as Charlas, de Raul Machado, que ensinava o Português, mesmo aos não analfabetos.
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