26.8.21

Afeganistão – Os dez dias que abalaram o Ocidente

Por C. B. Esperança

Seria preciso o talento e entusiasmo de Jonhn Reed, a descrever os acontecimentos da cidade de Petrogrado durante a Revolução russa de 1917, em “Dez Dias que Abalaram o Mundo”, para agora, transformado o entusiamo em raiva, alguém fazer dos dez dias que abalaram o Ocidente uma obra literária daquela dimensão. Aliás, só os talibãs poderiam descrever, em tom épico, a epopeia da sua vitória, se acaso fossem dados à cultura como à fé e à barbárie.

A chegada dos talibãs a Cabul, em apenas 10 dias, foi a confirmação dos receios que as 3 últimas administrações americanas sentiram de uma derrota militar que acabaria por acontecer. Biden foi o executor da retirada que já preconizava na presidência de Obama e que Trump negociou com os talibãs.

O que, nem no pior dos cenários parece terem previsto, foi a rapidez com que os talibãs se fizeram fotografar no Palácio do Governo, em Cabul, uma imagem de enorme valor simbólico da facilidade com que EUA e aliados da Nato foram derrotados.

Enquanto muitos dos que me estão próximos nas ideias se regozijam com a derrota dos EUA e dos aliados da Nato, sinto-me desolado com a tragédia que só agora se acelera.

A vitória da Rússia e da China, especialmente da última, porque a derrota dos inimigos é uma oportunidade acrescida para a emersão da nova liderança mundial, é uma derrota das democracias e da civilização, ainda que a vitória da Rússia e da China seja precária, o islamismo político é um veneno que ambas querem evitar, e os derrotados se possam ter comportado como agressores.

Há de enganar-se amargamente quem, nos países que respeitam os direitos humanos e a democracia, julgar que a derrota dos EUA favorece os valores civilizacionais da Europa do Renascimento, da Revolução Francesa e do Iluminismo.

Não adianta referir que o islamismo deu pensadores como Avicena e Averróis, que, nas Cruzadas, eram selvagens os cristãos e mais civilizados os muçulmanos, que, por cada ato terrorista de inspiração islâmica se exponha o terrorismo cristão ou judaico. O cristianismo foi moldado pelo direito romano, o secularismo e a repressão política sobre o clero, o que tornou possível a laicidade e a democracia, e o islamismo jamais se livrou do direito teocrático. No Islão, o pecado e o crime são a mesma coisa.

Chegaram a Cabul os que odeiam a música e o toucinho, a arte e a liberdade da mulher, o livre-pensamento e a democracia; os que destruíram os Budas de Bamiyan, saquearam o Museu Nacional de Cabul e destruíram o património cultural quando foram poder; os que impediram as mulheres de estudar e as transformaram em propriedade sua como se fossem animais domésticos; os que criaram, quando foram poder, o Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício do Afeganistão.

Alguém imagina a tragédia das mulheres que estudaram e sentiram o cheiro a liberdade, nos últimos vinte anos, a serem abatidas na rua por não usarem burka ou véu islâmico, a verem recusados às filhas o direito à educação e o mínimo de autodeterminação de que beneficiaram nas cidades, agora num campo de concentração tribal e religioso?

Quem, assumindo-se como progressista, pode regozijar-se com a derrota dos EUA e dos seus aliados ocidentais? 

Ponte Europa /Sorumbático

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