12.4.22

No "Correio de Lagos" de Março de 2022


NOS ÚLTIMOS 
anos, a “Fundación Nao Victoria”, de Sevilha, fabricou réplicas de três navios: de um com esse mesmo nome (o mais famoso dos 5 da esquadra de Magalhães, e que tivemos por cá em finais do ano passado); da nau Santa Maria (a capitânia da primeira viagem de Colombo, e que em Fevereiro nos visitou; e ainda de um galeão-tipo — ficando assim contemplados espécimes dos séculos XV, XVI e XVII, o período mais importante no que toca às navegações ibéricas. 

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OBVIAMENTE, entre factos e personagens históricos (à mistura com fantasia q. b.) muito se aprende com iniciativas assim. No caso da segunda nau, sobressai o facto de ela não ter regressado: encalhou no actual Haiti no dia de Natal de 1492 e, tendo sido dada como perdida, foi desmantelada e usada na construção de uma fortaleza baptizada com o nome de Navidad, tendo Colombo regressado à Europa na caravela Niña que, por sinal, ainda teve uma longa vida — o mesmo não se podendo dizer dos 39 homens que ficaram para trás, massacrados até ao último pelos habitantes locais.

 

Antes dessa viagem, já o genovês tinha navegado durante muitos anos ao serviço de Portugal, pelo que sabia onde encontrar os ventos capazes de o levar para Ocidente e de o trazer de volta; mas não conseguiu convencer D. João II, pois o nosso rei (que bem sabia que a Terra era redonda, e até com as dimensões que Eratóstenes determinara dois séculos a.C.) já estava ciente de que era possível chegar à Índia contornando o sul da África: 

Bartolomeu Dias dobrara (e ultrapassara largamente) “o Cabo” cinco anos antes, e também tinha chegado a carta de Pêro da Covilhã asseverando que era possível, tendo em conta as monções, ir de Sofala a Calecute. 

Ficavam, assim, apenas 300 léguas por percorrer, pelo que certamente o nosso monarca teve de conter o riso quando Colombo, de regresso da sua primeira viagem, mandou à frente a caravela Pinta (a levar aos Reis Católicos a notícia da descoberta), fazendo ele uma escala em Lisboa para “fazer pirraça” ao Príncipe Perfeito, gabando-se de ter chegado à Índia em meia dúzia de semanas!

 

Diz-se que o genovês, que fez 4 viagens (entre 1492 e 1504), morreu convencido de que tinha atingido a Ásia — ideia que Gago Coutinho contrariou, porque, tendo como “bíblia” as viagens de Marco Polo, Colombo apenas encontrara indígenas seminus que desconheciam a existência do ferro, e nem sombras dos fabulosos palácios com telhas e “lajes de ouro com dois dedos de espessura”.

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MAIS TARDE, em 1519, Fernão de Magalhães, muito mais bem informado e preparado (também ele já navegara ao serviço de Portugal, tendo até estado no Oriente poucos anos antes), abalançou-se a outra viagem para Ocidente — não para dar a volta-ao-mundo, mas sim para algo bem mais difícil: tentar descobrir uma passagem entre o Atlântico e o Pacífico e, atravessando esse gigantesco oceano, chegar às Molucas ­— que, estando perto do semi-meridiano oposto ao definido no Tratado de Tordesilhas de 1494, eram disputadas por Portugal e Espanha. 

 

Curiosamente, veio a descobrir-se que essas ilhas, estando situadas pelos 127º de longitude Este, até ficavam no hemisfério português (que ia até aos 132,5º E), ao contrário do que, em 1529, D. João III veio a admitir, para encerrar o diferendo com Espanha.

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FINALMENTE: a todos esses descobrimentos há agora que acrescentar mais um, não menos glorioso, que revela que Magalhães sempre deu uma volta-ao-mundo, mas na companhia de Colombo — num navio-fantasma que, por sinal, até ostentava o nome de uma freguesia da nossa cidade!

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“Correio de Lagos” de Março de 2022

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