8.3.23

Uma estória de convento - *Uma feira, duas freiras e um homem

Por Antunes Ferreira

Como era habitual, a madre superiora encarregava as irmãs Maria da Piedade e Maria da Purificação de ir à vila no da feira para vender os produtos que o convento produzia desde doces e compotas, peças de artefacto religioso até ovos das galinhas poedeiras que cuidavam com a maior atenção e até, podia dizer-se, carinho.

Era uma fonte de receita que suplantava as ofertas das missas dominicais que o capelão, o padre Constâncio, já com os seus sessenta e muitos, rezava e que era abeta a quem nela estivesse interessado. Mas os tempos estavam difíceis e os fieis iam-se reduzindo e consequentemente os respectivos óbolos também; além disso, o tempo não perdoava e a média dos anos levava ao envelhecimento dos assistentes.

O país envelhecia, a terceira idade, as rugas, os cabelos brancos, as calvas, as bengalas, os bordões, até mesmo as muletas eram prato frequente na celebração e até havia quem viesse em cadeira de rodas empurrada por familiar mais chegado. Daí que a receita recolhida ia minguando e por isso a venda dos produtos n feira era indispensável e inquestionável. Igualmente as vocações sacerdotais sofriam uma diminuição o que levava a que os padres cada vez eram mais velhos e tinham de acorrer às diversas necessidades de várias ordens.

Regressavam da feira onde tinham banca montada graças ao auxílio do senhor Mendonça negociante de queijos e enchidos, com a bolsa recheada – o dia fora bem sucedido. Como não tinham arranjado boleia vinham a pé conversando, aliás a distância não era grande. De repente a irmã da Piedade disse em voz baixa para a outra feira se esta tinha reparado que um homem as seguia.

Na verdade, assim era. As freiras estugaram os passos mas o homem fez a mesma coisa. Aí a irmã Maria da Purificação, aproveitando uma curva do córrego, sussurrou à sua companheira: “Ali adiante há um bifurcação. Sugiro que cada uma de nós siga por uma delas. Eu levo a bolsa do dinheiro e vou pela direita que chego mis depressa ao convento.”  

E assim fizeram. Entretanto o Sol ia caindo e ao chegar ao mosteiro a irmã portadora da “massa” foi massacrada de perguntas sobre o motivo do atraso. A madre superiora estava preocupadíssima com o passar das horas e após ouvir a versão da estória pensou alertar a Guarda Republicana sobre o desaparecimento da irmã Maria da Piedade.

Já caía a noite e se preparava para fazer a chamada par a GNR  quando apareceu  freira faltosa tranquila ainda que um tanto ofegante. As perguntas fora múltiplas, todo o convento reunido em buca do que acontecera, aventando a hipótese mais negra. O canalha abusara da freira? Ele há homens capazes de tudo, o diabo anda à solta por ai, ninguém pode dizer que está seguro

A monja sossegou a assembleia das suas irmãs. E contou o que se passara. Com certeza o seu Anjo da Guarda (que não da Republicana…) a acompanhara naquele transe pois a ameaça não dera em nada. Mas que houvera ameaça, lá isso houvera. Um silêncio d cortar à faca estabeleceu-se entre as assistentes.

E foi a madre superiora que o quebrou: “Minha irmã acabe com essa estória, que Deus, nosso Senhor, sabe o que se passou, mas nós não!” E a irmã Maria da Piedade concluiu: “O homem apanhou-me, tentou ficar com o dinheiro com maus modos, mas vendo que eu não o tinha soltou uma gargalhada bestial e disse-me que nunca «comera» uma freira e estava na altura de o fazer!”

 E então? “Mandou-me arregaçar o hábito enquanto baixava as calças. Foi então que desatei a correr e cheguei aqui ao convento sã e salva! “ Um murmúrio de alivio  fez-se sentir enquanto a freira terminava: “Uma freira com o hábito  arregaçado corre muito mais do que um bandido com as calças em baixo!”

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