28.3.08

A Quadratura do Circo

A coisa

Por Pedro Barroso

NA SAÍDA DE LISBOA existe uma coisa.
Chamo-lhe assim por manifesta incapacidade da minha parte de lhe chamar de outro modo.
Parece um mirante, mas é mais coisa. Parece um jardim, mas é mais coisa. Poderia ser um parque infantil, uma estufa, um mausoléu, jardins suspensos, quiosque, talvez monumento. Mas acho que, por enquanto, nada disso sendo, é apenas coisa.
Será a coisa inútil? A meio caminho entre o ser e o não ser?
Ora bem. Se funcionasse, poderia ser visitada e usufruída. Assim é apenas uma coisa.
Acontece que a coisa demorou tempo e custou dinheiro para ser feita.
A coisa era supostamente uma plataforma de grande beleza e modernidade. Teve projecto, paternidade e conflito para a sua concepção, como qualquer ser humano.
A coisa, suponho, era previsto ser um camarote sobre a Serra de Monsanto, estrategicamente sobranceira aos vapores da inefavelmente colocada ETAR, mesmo ali ao pé das narinas.
A Coisa era uma verdadeira sala de visitas de Lisboa, um camarote de convidados especiais.
Quando fôssemos visitados pelas mais altas e distintas figuras do Mundo, nós os levaríamos a ver a serra da coisa e a coisa da serra. Duas experiências inolvidáveis, obviamente.
As distintas figuras, nunca tendo visto nada de tão extraordinário, levariam que contar para suas atrasadas terras. Onde, está visto, coisas assim não acontecem.
A coisa incomodou o trânsito durante mais de um ano. Por estar a ser feita, sujou, desviou, atrapalhou e provocou acidentes.
A Dona Glória e o Sr. Saavedra tomaram-se de razões por causa de um toque nos seus carros, provocado pelas obras da coisa. Se a adrenalina deu em romance, por motivos de explicação mais difícil, creio que tal desenlace terá sido o único desenvolvimento positivo e capaz que a coisa terá provocado até hoje.
A coisa foi paga por nós, povo habitante do planeta coiso. Com o nosso dinheiro.
A coisa exige manutenção, jardinagem, rega, varredores, limpeza, vigilância, policiamento, talvez até um guia elucidado sobre a coisa, para nos explicar a função e o significado da coisa. Sim, porque a coisa está ferrugenta, mas é mesmo assim.
Sem tão doutas e urgentes explicações sobre a coisa, ninguém sabe ao certo para que serve, o que faz ali, quem pagou a quem, quando funcionará, ou se já recebeu a visita de extra terrestres, ocorrência muito adequada à sua função de coisa do outro mundo.
Eu gosto muito da coisa. Quase todos os dias vejo a coisa e vibro de admiração.
Lisboa não poderia viver sem a sua coisa. E eu ficaria mais pobre se ela um dia desaparecesse.
Espectáculo! Viva a coisa!

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3 Comments:

Blogger Musicologo said...

À laia de "para que é que a coisa serve", eu digo-lhe: já serviu para ser cenário de um videoclip do Sérgio Godinho. Se preocurar no youtube pelo "Só neste país", vai ver que foi filmado lá.

Muito condizente o mirante com a intenção do clip!

E, claro, a juntar à ETAR, só mesmo o refinamento de termos uma auto-estrada mesmo ao pé, para nos prestar uma banda sonora adequada à paz de qualquer mirante.

28 de março de 2008 às 18:42  
Blogger Musicologo said...

Este comentário foi removido pelo autor.

28 de março de 2008 às 18:42  
Blogger antónio m p said...

Ó amigo, sempre esperei que falasse de outra coisa. Vem um homem de tão longe para ver as novidades do sorumbático e sai-lhe uma coisa destas. Se ainda fosse a Muralha da China, estaria na moda, mas essa coisa. Valha-me Dalai Lama.

30 de março de 2008 às 03:30  

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