Pacheco Pereira e a Guerra do Iraque
Por Alfredo Barroso
HÁ MAIS DUAS ‘VÍTIMAS’ da invasão do Iraque que até agora ainda não tinham sido contabilizadas e que só há poucos dias foram reveladas: os publicistas neoconservadores José Pacheco Pereira e José Manuel Fernandes. Felizmente estão vivos, não foram alvo de bombardeamentos americanos nem de atentados da Al-Qaeda, mas é suposto terem sido vítimas dos ataques soezes de ‘uma pequena turba’ (de esquerda, claro!) que os acusa de um grave ‘delito de opinião’: ‘terem estado a favor da invasão do Iraque’.
Quem fez esta ‘revelação’ sensacional, em artigo dada à estampa no ‘Público’ de 22 de Março, foi precisamente uma dessas vítimas, o ilustre publicista José Pacheco Pereira. Sucede que ele continua a dar opiniões em tudo o que é órgão de comunicação social, desmentindo assim, sem se dar conta disso, os seus próprios receios de ‘prisão e banimento’, ‘ostracismo e incapacidade cívica’, ‘punição, censura, opróbrio, confissão pública do crime, rasgar das vestes’ e, até, suplícios num ‘pelourinho’ – para citar o que ele escreveu, porventura sob a influência pascal do ‘Evangelho Segundo S. João’.
Pacheco Pereira diz que foi acusado de cometer ‘delito de opinião’, mas não diz concretamente quem o acusou, como e quando. É claro que está a mentir, e não apenas a exagerar recorrendo a uma figura de retórica. O que ele pretende é apresentar-se como vítima e dar largas ao seu complexo de perseguição. Mas este é um problema recorrente de quem já foi da extrema-esquerda, decidiu passar-se para a direita e nunca mais pára, ao longo da vida, de exorcizar em público os fantasmas ideológicos do seu passado.
Pacheco Pereira quer apontar os ‘erros clamorosos da Administração Bush’, o ‘modo ingénuo, ignorante e incompetente como foi previsto o período de ocupação’ do Iraque, ‘a imprudência e a impreparação americanas’. Mas não admite que o confundam com a maioria, pouco ‘séria’, daqueles que sempre se manifestaram contra a invasão e a ocupação. Porque, escreve ele, ‘uma coisa é criticar os americanos pela sua ocupação do Iraque e outra é contestar a decisão de invadir’. Uma subtileza que escapou à ‘turba’.
O artigo em causa (que promete continuação) é um modelo de hipocrisia política e de desonestidade intelectual. É um atentado contra a inteligência do próprio autor, que dá provas de um anti-esquerdismo bem mais ‘primário’ do que o anti-americanismo de que tanto se queixa. A técnica adoptada por Pacheco Pereira é a da desqualificação dos adversários da invasão e da ocupação do Iraque, tratados como ‘uma pequena turba’ de débeis mentais cheios de ‘slogans’ tribunícios e ‘tiques’ ideológicos. A inexistência de armas de destruição maciça, tal como a inexistência de apoios de Saddam Hussein à Al-Qaeda, também são consideradas irrelevantes, com o claro propósito de desqualificar os protestos contra as mentiras de Bush, Blair, Aznar e Durão Barroso. Uma vergonha!
A tentativa de desqualificação dos que sempre foram contra a guerra, a peregrina tese do ‘irritante geral’ que era urgente erradicar, a incoerência dos argumentos a favor da invasão, os insultos à tão odiada esquerda e o ridículo papel de vítima que Pacheco Pereira assume, para não dar o braço a torcer, são simplesmente lamentáveis e chegam a ser patéticos. Convém que se diga que ele não é uma vaca sagrada, nem paira acima das ideologias, como quer fazer crer. Também ele tem uma tese e, aconteça o que acontecer, o que vale é a tese dele. Essa tese é uma visão do mundo assente numa única obsessão: um anti-esquerdismo militante por razões ideológicas, agravadas por um rancor pessoal. Formalmente, a tese de José Pacheco Pereira continua a ser omnisciente, intolerante e dogmática. Só o conteúdo é que mudou: dantes era de esquerda, agora é de direita.
«Sorumbático» - 26 Mar 08 e «Público» 27 Mar 08
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Passatempo associado: o Sorumbático decidiu premiar o autor do melhor comentário que, até às 20h do próximo domingo, venha aqui a ser feito a esta crónica. Na impossibilidade de dispor do livro «Guerras Limpas», que está esgotado, o prémio será um exemplar (anotado) da obra de Chomsky cuja capa aqui se mostra.
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Actualização: foi decidido atribuir o prémio a Mendonça, a quem o livro já foi enviado.
Etiquetas: AB, Passatempos
11 Comments:
E um tal de Nuno Rogeiro?!? Estes fulanos são sempre a favor de tudo o que venha da América entre o México e o Canadá. Basta que se mencione a stars and stripes ou se ouça aquele hino manhoso para se derreterem... Mas também nunca dão o braço a torcer.
Armas de Destruição Maciça?
São como as bruxas, ninguém acredita nelas, mas que as há, há...
O "perigo" que o S. H. representava só foi substituido por dezenas de movimentos islâmicos.
Tudo bem!
Mission Accomplished!!!
Fora do concurso para este passatempo (evidentemente!), aqui fica a crónica de hoje de João Paulo Guerra, no «D.E.», que talvez dê dicas para novos comentários:
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DIVIDENDOS
Quatro mil mortos, cerca de 30 mil feridos e incapacitados, o povo norte-americano está a pagar um custo elevadíssimo pelos dividendos dos que ganham com a guerra: a Halliburton, serviços e empreitadas do ramo petrolífero, a Custler Battles, fabricantes de carros de combate, a Bechtel, construtora que ganhou a “reconstrução” do Iraque, a CACI e a Titan, fornecedoras de mercenários, a Kellog’s, a Kentucky Fried Chicken, a Nestlé, a Pepsi-Cola, que alimentam os expedicionários, e muitas outras companhias.
HÁ UM EXCELENTE TRABALHO da jornalista Memélia Moreira para a agência “Brasil de Fato” que esmiúça estes e outros ganhos com a guerra.
Resulta em algo obsceno a comparação dos dividendos dos que embolsam com a guerra e o sofrimento de milhares de norte-americanos, para não falar de centenas de milhares de iraquianos. Tanto mais que o trânsito dos milhares de milhões de dólares se faz em directo dos orçamentos pagos pelos contribuintes para as contas dos accionistas, com alguns desvios e derrapagens para a corrupção e outras habilidades. Memélia Moreira salienta no seu artigo que muitas das corporações que estão a facturar com a guerra no Iraque respondem em processos em tribunais dos Estados Unidos por crimes financeiros.
Um porta-voz da Casa Branca anunciou que o presidente Bush “chorou cada vida” das quatro mil perdidas, o que deve ser uma mentira tão grande e tão descarada como a que deu pretexto para a guerra. Mas como as supostas lágrimas do presidente rendem chorudos dividendos, a Casa Branca anda morta por se meter em mais uma guerra. Dick Chenney, ex-accionista e ex-administrador da Halliburton, já disse mais de uma vez que o verdadeiro inimigo no Iraque é o Irão.
Para quem não estiver interessado no livro de Noam Chomsky, o Sorumbático oferece, como alternativa, «A Verdade da Guerra», de José Rodrigues dos Santos, da Gradiva.
Acho este artigo de Alfredo Barroso muito infeliz. Embora o alvo principal seja o Pacheco Pereira, começa o artigo por catalogar os visados com os mimos “publicistas neoconservadores”. E pronto. Tudo o que diz, ou disser, o Pacheco Pereira sobre a invasão do Iraque só pode ser criticável. Nem vale a pena ler mais.
Pela minha parte apenas tenho um comentário : o socialista Alfredo Barroso escreveu um artigo sobre a invasão do Iraque.
Para os meus amigos, não é necessário dizer mais nada, porque eles conhecem a minha opinião sobre os socialistas. E a forma como Alfredo Barroso se refere às pessoas com cujas opiniões discorda é revelador do espírito desta seita.
Clareza,simplicidade, ironia.
O retrato de JPP em corpo inteiro. Claro, na minha opinião.
O que mais me impressiona em JPP é não deixar de ser um indivíduo inteligente e com muita informação!
Lino S.
Lino,
Sim, e eu até gosto de o ouvir na «Quadratura do Círculo».
Concorde-se ou não com o que diz, é alguém que pensa pela sua cabeça, e isso já vai sendo raro, especialmente em pessoas ligadas a partidos. (Alfredo Barroso faz o mesmo, honra lhe seja feita).
Só quando a conversa é Bush, a CIA ou o Iraque é que JPP «é mais papista que o papa» (defendendo posições e métodos que os próprios norte-americanos já reprovam).
Se José Pacheco Pereira e José Manuel Fernandes são "MAIS DUAS ‘VÍTIMAS’" não sei.
O que sei é que Saddam Hussein tem mais um terrorista na pessoa do autor da posta.
De pescada.
Sr noone,
O Nuno Rogeiro NUNCA apoiou a invasão do Iraque.
Quanto às armas de destruição maciça, não conheço ninguém que diga que as há.
Na altura, quase não havia quem afirmasse que não havia.
De acordo com Alfredo Barroso de quem recolho mais uma excelente análise - o meu critério é a verdade, porque há outros. Quanto aos comentários de «pois», pois!
amp
Mutatis mutandis, a eloquência irónica de Alfredo Barroso recordou-me um episódio que fui repescar aos meus livros, ocorrido em 29 de Junho de 1860, na Universidade de Oxford, onde cerca de 700 pessoas se reuniram para ouvir o bispo de Oxford, Samuel Wilberforce, discutir os méritos da teoria de Charles Darwin.
Na audiência estava o biólogo Thomas Huxley, declarado apoiante da teoria da evolução das espécies, a quem Wilberforce dirigiu uma provocaçãozinha ao estilo de um qualquer trauliteiro socialista, passe a redundância.
A resposta de Huxley arrasou o bispo e ficou conhecida como uma das réplicas mais famosas da História da Ciência.
O que se passa de estranho em Portugal é que os intelectuais capazes de responder e arrasar os trauliteiros, ou não estão para se incomodar, ou continuam condicionados pela verborreia de esquerda, segunda a qual, quem não é por eles é fascista, neoconservador e, horror dos horrores, é de direita.
Seria interessante que alguém se pronunciasse mais sobre o essencial que, a meu ver, é o seguinte:
Esta crónica de AB foi escrita devido ao facto de JPP, no seu blogue e no «Público» (pelo menos), se considerar um "perseguido por delito de opinião".
No entanto, se há pessoa que tem acesso a "todos os meios de comunicação e mais algum" é ele. Junte-se aos indicados a SIC-N, a «Sábado», etc.
Ao invés, AB tem alguns minutos, de 2 em 2 semanas na SIC-N, mas foi afastado do Expresso e do DN por motivos (esses sim!) de opinião política.
NOTA: O facto de JPP ter passado (em poucos anos e já em adulto) da estrema-esquerda (UDP) para defensor de teses da extrema-direita, também não pode passar em claro quando se analisa o que diz. Concorde-se, ou não, com AB, disso não pode ser acusado, que se saiba.
E quando, como aqui é o caso, o tema é 100% político, isso importa - e de que maneira!
Se chama ao adversário "publicista", "neoconservador", ou outra coisa qualquer não é o essencial (até porque é verdade).
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