«...são muito bons a resolver os problemas que eles próprios criam»
VALE A PENA ler a primeira notícia: uma pessoa faz uma compra, de um bem ou de um serviço. A DGCI desconfia que o vendedor tenta fugir ao Fisco. Pode estar cheia de razão; mas quem é que vai começar por inspeccionar, incomodar e até multar? O comprador, pois claro!
Recentemente, fomos confrontados como uma situação igualmente absurda: alguém vende um carro a outrem e faz tudo o que lhe compete. O comprador, por seu turno, decide não fazer a sua parte e não procede ao registo. E quem é que o Estado vai importunar? Quem cumpriu, pois claro!
Actualização: um dos muitos autores convidados do Sorumbático é o Ferreira Fernandes. Normalmente, as suas crónicas são afixadas aqui em post próprio. No entanto, como a de hoje (dia 25) é sobre o assunto deste, aqui fica ela - uma vez sem exemplo - 'pendurada' neste post. Sei que ele não se vai importar...
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Copo de água fria
Por Ferreira Fernandes
AGORA, A NOIVA fica logo a saber, no dia do casamento, que afinal havia outra: a Direcção-Geral de Contribuições e Impostos. E que a outra escreve cartinhas, assinando-as pelo diminutivo: DGCI. E que na cartinha ela pede informações, a viciosa, sobre o dia (e a noite) do casamento. Agora, o noivo fica logo a saber que ela teve um affaire com um tal Fisco. E que, como todos os affaires (em bom português, negócio), a coisa envolveu dinheiro. Agora, o padre, no dia de casamento, já não pode fazer o apelo tradicional: "Quem souber, fale agora, ou cale-se para sempre." Já não pode porque, se o fizer, arrisca-se a ver os noivos a rapar de formulários e a deitar-se, em plena capela, a preencher o que sabem no modelo 3 do IRS. Ou, pior, que os noivos se calem para sempre e ele, o padre, seja acusado de conivência na fuga ao fisco. Agora, logo no dia do casamento os noivos ficam a saber que têm um ménage à trois. E que o amante é que é protegido pela Lei (Geral Tributária).
«DN» de 25 Mar 08 - c.a.a.
7 Comments:
Isto é um absurdo, é a inversão do ónus da prova.
Escrevi noutro local algo como: a noiva, a quem ofereceram o vestido, deve informar o nome do benfeitor e dizer o preço, pelo que deve pedir ao ofertante a factura e a prova de pagamento que, se por multibanco, traz o saldo e tudo. Melhor do isto só na botica. E se fossem chatear o Camões?
Quanto a legislação absurda, tome lá outra.
Vende-se peixe com medidas abaixo dos mínimos nas lotas. Uns metros após a saída está uma operação stop da GNR a apreender aos compradores o peixe "ilegal" comprado, bem como as viaturas em que o transportam.
É que não é proibido vender aquele peixe. O que é proibido é comprá-lo!
Eu dou ainda outro exemplo.
Na época dos santos populares, que era intensamente vivida nos sítios castiços onde cresci e brinquei, desde Alfama ao Castelo, não havia miúdo que não gostasse de estoirar as chamadas bombinhas de Sto António.
Um dia descobri que aquilo era proíbido e que nos arriscávamos à multa dos famosos 96 escudos, uma multa aplicável a vários outros pecados, como jogar à bola na rua, ou acender um isqueiro sem ser debaixo de telha. Até me surpreende que o governo Sócrates ainda não tenha recuperado tão significativa instituição.
A perplexidade que logo naquela tenra idade me assaltou foi precisamente a de não ver polícias a multar ninguém nas lojas onde comprávamos as bombinhas.
Jorge,
Havia outro caso semelhante:
Como te lembras, era proibido usar bisnagas de Carnaval.
Mesmo aquelas pequenas, de celulóide, em forma de tremoço, a PSP podia apreender.
Mas não havia tabacaria nenhuma que não as vendesse - e expusesse bem na montra.
NOTA: O título do 'post' «...são muito bons a resolver os problemas que eles próprios criam» foi retirado de um relatório de uma empresa internacional de consultadoria que analisou o desempenho dos gestores portugueses.
Como os políticos também são gestores, a frase aplica-se-lhes também - e de que maneira!
Medeiros Ferreira escreve no seu blogue «Bichos Carpinteiros»:
Ambientes que levam ao erro
Estes são os dias do projecto sobre os piercing, da elaboração de medidas para responsabilizar os noivos pela taxação das bodas...
Como explicar este ambiente favorável ao exagero e à falta de senso?
O padre passa recibo pelo ofício, ou não?
PS - Dou por recebido o prémio referente ao comentário do post do dia 24, Os Super Legisladores, que agradeço.
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