13.11.05

Vão de carrinho...

li e ouvi vários relatos de cidadãos que quiseram entregar, para reciclagem, os seus carros em fim de vida (pois o Estado dá 1000 euros por cada um, o que não é nada mau); simplesmente, a burocracia com que se depararam foi tanta que acabaram por desistir, acabando por vendê-los para a sucata ou deixá-los na via-pública.

Atento ao problema, o Governo resolveu intervir:

Os carros passarão a pagar Imposto de Circulação - mesmo que não circulem e estejam no fundo do quintal a fazer de galinheiro.

No entanto, em complemento dessa solução genial, existe actualmente uma janela-de-oportunidade que não deve ser desperdiçada:

Da mesma forma que Portugal está a resolver o problema dos resíduos industriais perigosos exportando-os para serem co-incinerados no estrangeiro (*), também podia exportar os carros velhos para França para serem incinerados pela rapaziada que, pelo que se sabe, está com prática no assunto...

(*) Trata-se de uma exportação muito sui-generis, pois AINDA TEMOS DE PAGAR por ela...

NOTA: Uma versão ligeiramente diferente deste texto veio a ser publicada no «DN« de 20 Nov 05

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

DN DE HOJE:

Albano Matos

Maio de 2002, Marselha. A dois dias das eleições presidenciais, quatro mil pessoas acotovelam-se no Palácio dos Desportos para ouvir Jean-Marie Le Pen, diabolizado pela esquerda e pela direita, inesperadamente juntas no desejo de reeleger Jacques Chirac. "Votez l'escroc contre le facho", gritavam milhares de jovens no dia anterior no Vieux Port.

Um simples relance pelas bancadas do comício de Le Pen surpreenderia os menos avisados nem jovens façanhudos de cabelo rapado e ideias curtas (também havia, mas eram muito poucos), nem velhos combatentes irados de velhas guerras perdidas (Indochina, Argélia). Aquela assistência era composta por franceses "normais", braves et pauvres gens de meia-idade, pequeno-burgueses assustados com a evolução dos tempos.

Pairava no ar alguma nostalgia, é certo (cantava-se em coro o Chant d'Afrique, aplaudia-se com entusiasmo uma jovem artista da Martinica que interpretava, como um clone, velhos êxitos de Mireille Mathieu), mas o que transparecia daqueles rostos era medo. Um me-do difuso, mas não menos real.

Uma dona de casa confessava que fora assaltada duas vezes por "eles"; um reformado garantia que não conseguia dormir porque todas as noites "eles" faziam uma algazarra medonha; outro desabafava que "eles" lhe tinham entrado em casa e levado alguns dos poucos pertences. Os que falavam e os que se juntaram a ouvir estavam de acordo "eles" é que tinham a culpa, os magrebinos, os "maus" filhos dos "bons" imigrantes, que não queriam estudar nem trabalhar e passavam o tempo a roubar e a assustar quem passava.

Modelo? Todos defendiam um modelo, há longos anos cantado por Charles Trenet douce France, cher pays de mon enfance... Só que essa douce France desapareceu há muito e eles foram deixados para trás, tão para trás como "eles". Ou um pouco menos.

revolta. Voltamos à questão o famoso modelo de integração (à) francesa falhou? "Sim, claro que falhou, mas os outros modelos falharam todos também", diz o sociólogo Manuel Villaverde Cabral.

Para quem viveu durante 11 anos em França e lá fez os estudos universitários a revolta das banlieues tem motivo e significado diferentes. "Por todo o lado existem estes problemas. A revolta aconteceu em França porque, na Europa, é o país mais politizado, mais participativo e mais mobilizado."

De resto, nenhuma relação com o famoso "modelo" "Nenhum modelo integrou ninguém. O problema não é só de integração sociocultural. Nem no Brasil, onde tanto se fala de mistura, a integração é perfeita. Continua a haver discriminação de cor, para já não falar dos problemas de classe. Os Estados Unidos têm um problema racial gigantesco. Simplesmente, ele não tem grande dimensão política. Por isso, acaba tudo nas prisões. Ou alguém acha normal a percentagem elevadíssima de negros nas prisões americanas?"

Até Portugal tem problemas semelhantes aos que tanto dão que falar em França. "Cá é que não há uma vida política e cultural intensa, nem tradição de participação e mobilização e isso ilude-nos porque nos leva a pensar que não temos esses problemas."

Por isso, em vez de escondê-los, é preferível eles saltarem à luz do dia. Ou da noite. "Quando a revolta estala, isso é bom", defende Villaverde Cabral. "Vai ter resultados positivos, chama a atenção para questões reais, à custa de uns tantos milhares de automóveis, mas até isso é bom para as companhias de seguros e para os vendedores de carros."

Quando os tumultos cessarem ("com um pouco de repressão e a desmobilização natural"), haverá muito trabalho a fazer. Desde logo, repensar a questão urbanística. Manuel Villaverde Cabral chegou a morar "num desses prédios horríveis, gigantescos, com dez mil pessoas lá dentro". "As pessoas têm de viver em sítios minimamente dignos".

Já em 1990, o então presidente François Mitterrand afirmava "Que pode esperar um jovem que nasce num bairro sem alma, que vive num prédio feio, rodeado de prédios ainda mais feios, de paredes cinzentas numa paisagem cinzenta para uma vida cinzenta, tendo à volta, por todo o lado, uma sociedade que prefere desviar o olhar e só intervém para proibir quando devia revoltar-se?"

Tudo isto mais "a falta de mobilidade de uma população estratificada e políticas governamentais orientadas quase exclusivamente para resolver o problema dos défices resulta num barril de pólvora". Em França como em Portugal, realça Villaverde Cabral, interrogando "Porque vieram os imigrantes? O país funcionaria, até nos níveis de prosperidade, se eles lá não estivessem? O dilema da França, e da Europa em geral, é que precisa dos imigrantes mas não sabe o que fazer com eles, o que, a partir de certo ponto, é insustentável."

13 de novembro de 2005 às 12:37  

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