6.12.05

O Herr Müller – 2

O APARECIMENTO deste Sr. Müller na minha vida calhou mesmo na altura certa, pois o trabalho começava a escassear; refiro-me ao trabalho-pago, evidentemente, pois do outro (dar uma ajuda aos meus amigos) nunca me faltou!
E foi assim que, para não deixar fugir essa preciosa oportunidade, comecei logo nesse dia a ver o que podia fazer por ele.

Por acaso, vim a ter alguma dificuldade em explicar-lhe que era um profissional, e que, embora não cobrando honorários elevados, não trabalhava de graça para desconhecidos.
Mas deixei esse aspecto para quando tivesse realizado para ele alguma coisa de verdadeiramente importante. E palpitava-me que não faltariam oportunidades!

E no dia seguinte lá fui a sua casa.

Como atrás disse, eu conhecia bem o bairro onde ele tinha o seu escritório, instalado num prédio velho e escuro que mal se aguentava de pé.

Quando cheguei à porta da rua, e depois de dar passagem a alguns cães e gatos que saíam, assustados com a minha presença, procurei a campainha da porta para tocar para o 5º Direito – mas em vão, pois só as havia para os outros andares!
A única coisa parecida, mesmo ao lado dos botões normais, era um misterioso teclado onde figuravam os algarismos 0 a 9 e mais algumas teclas que permitiam a escolha entre várias línguas!

Carreguei na tecla do «português» (para ver o que é que ia sair dali…) e, para meu grande espanto, um visor de cristais líquidos iluminou-se – eram as instruções para tocar à campainha da porta!

Estava eu, embasbacado, a olhar para isso, quando uma menina que ia a entrar no prédio me disse:


- Consegue perceber essa coisa? É a campainha do alemão maluco!

Como a porta estava aberta, eu podia, simplesmente, ter subido; mas, quando soube que aquela geringonça fora instalada pelo Sr. Müller, resolvi compreender melhor o mistério – até porque, entretanto, a porta fechara-se por acção da mola que tinha.

Por fim, depois de ler e reler as instruções, descobri que até era fácil, pois o visor afixava uma tabela claríssima:

«Se quer tocar para o R/C Esquerdo, digite 21; se quer tocar para o R/C Direito, digite 32…»,

e assim por aí fora, embora desnecessariamente, pois, como atrás disse, para todos esses andares havia botões próprios e bem referenciados, sendo o 5º Direito a única excepção: para este, era necessário digitar uma longa sequência alfa-numérica – o que fiz, divertido.

Por fim, escutando com atenção, ouvi ao longe a campainha a tocar no escritório do alemão-maluco (como já me apetecia chamar-lhe) e, pouco depois, a voz dele, que chegara à janela e gritava cá para baixo:

«Entre!».

Mas o certo é que, por mais que eu empurrasse a porta, ela não se abria!


E foi nessa altura que a tal rapariguinha, voltando a sair, me explicou que não bastava digitar o tal código, pois isso só servia para tocar à campainha – para abrir a porta era preciso, ainda, clicar na inevitável tecla do «ENTER» (era o tal «entre» a que o Sr. Müller se referira, aos berros, da janela do 5º andar)!

*

Mal refeito dessas surpresas, entrei; e, enquanto subia as íngremes escadas, olhei para cima e vi, lá muito ao longe, iluminado por uma lâmpada fraquíssima, o Sr. Müller que me esperava no patamar.
Ora, quando eu, cansadíssimo, já estava no 4º andar, ele avisou-me:

- Olhe que está tudo encerrado!

Não liguei a isso, pois depreendi que, devido à escuridão da escada, ele devia pensar que eu era algum cliente. Mas, quando dei um inesperado trambolhão, que voltou a colocar-me alguns degraus mais abaixo, é que percebi o que se passara:
Ele queria dizer, com aquela dificuldade que a maioria dos estrangeiros tem, que estava tudo… encerado!

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Amigo Carlos,

Com os seus conhecimentos não quer dar (ou vender) duas ajudas preciosas para o país?

1)Como agora a culpa das "fugas" do gato constipado é do sotfware dos tribunais, não se pode explicar-lhes que há uma coisinha chamada encriptação? Se 700 utilizadores no Palácio da Justiça, em Lisboa, mais umas centenas ao longo do país não permitem manter a confidencialidade, como fazem as instituições financeiras que têm dezenas de milhares espalhados por vários países?

2)Será possível pedir ao seu amigo vedor, de Sintra, que vá a Coimbra dar uma mãozinha para detectar onde há água por baixo das fundações do novo hospital pediátrico? Também sucedeu o mesmo com a nova ponte. Há vedores que descobrem água a centenas de metros de profundidade e aquelas alminhas dos técnicos não a descobrem a 10 metros(+-)?

Abraço.

6 de dezembro de 2005 às 11:43  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Caro CC,

Depois das hitórias do Herr Mueller haverá duas sobre "passwords".

(Estou a pensar meter uma por dia).

6 de dezembro de 2005 às 11:49  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

A história do teclado para tocar à campainha da porta é verdadeira.

Vivi esse drama num prédio novo na zona da Expo-98!

6 de dezembro de 2005 às 17:59  

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