9.12.05

O Herr Müller - 5 (*)

QUANDO falei do meu amigo Oliveira não referi o mais importante, que é a sua loja de quinquilharias electrónicas de que ele tanto gosta.

Chamo-lhe quinquilharias mas não se pense, com isso, que estou a depreciar os produtos que vende; nada disso!, o que sucede é que ele tem comercializado, desde sempre, materiais e componentes de electrónica (como resistências, condensadores, díodos, etc.) mas não foi capaz, quando chegou a altura certa, de alargar o seu negócio às coisas da informática.

Para ele, tudo o que cheire a computadores é de desconfiar (e quanto a Internet nem é bom falar-lhe nisso!), embora tenha na loja um velho 486 que, de longe em longe, lá abre – mas só para usar o processador de texto, e quase sempre apenas para consultar o corrector-ortográfico…

Portanto, à força de se deixar desactualizar, passou a ter a loja quase sempre vazia, apenas povoada por velhotes que, como eu, vão até lá para conversar um bocado ou em busca de algum componente que já não se fabrica há muitos anos.

E foi, portanto, para a loja dele que eu encaminhei o Sr. Müller quando me disse que precisava de encontrar um determinado transístor muito raro.

Sugeri-lhe, no entanto, que antes de lá ir se telefonasse, para saber se o Oliveira o tinha. Ele deu-me então a referência do componente e, para me mostrar útil, eu mesmo fiz a chamada.

- Não tenho esse, mas tenho o equivalente… – foi a resposta que recebi.

Omiti esse pormenor do «equivalente» e indiquei ao Sr. Müller o caminho para a loja do meu amigalhaço que, pelo telefone, me adiantara, em voz baixa, que me daria a habitual comissão de 10% (5 cêntimos, neste caso) com que costumava presentear quem lhe arranjasse fregueses.

Quando, no dia seguinte, encontrei o cavalheiro e lhe perguntei se tinha encontrado o que queria, mostrou-se muito aborrecido.

Segundo me explicou, o Oliveira quisera garantir-lhe que o tal «transístor equivalente» era MESMO equivalente.

Para isso, fora buscar todos os catálogos e mais algum e, mostrando as curvas-de-características e uma enorme quantidade de folhas técnicas, procurara convencê-lo de que o que se propunha vender-lhe era exactamente o mesmo transístor que o outro queria comprar.

- Quando estava quase a convencer-me, mandou-me embora! – Queixou-se o Sr. Müller.

Mandara-o embora?! Não podia ser! O Oliveira, pessoa tão cordata, mandara embora um cliente como aquele, capaz de gastar uma fortuna na loja?!!

Aborrecido pelo facto de ter sido eu a indicá-lo, e também lembrando-me da percentagem que estava à minha espera, liguei de imediato para a loja.

Demorei algum tempo a perceber o que se passara, mas depois dei uma sonora gargalhada:

Sucedera que o Oliveira, tentando convencer o outro a fazer a compra, e pensando que não se estava a fazer entender, puxara do seu inglês e insistira:

- Compre, compre! Buy, buy!

Só que o Sr. Müller, também pouco versado na língua de Shakespeare, percebera «Bye-bye!» e desandara, furioso!


(*) Capítulos anteriores:

1
http://sorumbatico.blogspot.com/2005/12/o-herr-mller-1.html
2
http://sorumbatico.blogspot.com/2005/12/o-herr-mller-2.html
3
http://sorumbatico.blogspot.com/2005/12/o-herr-mller-3.html
4
http://sorumbatico.blogspot.com/2005/12/o-herr-mller-4.html

1 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

As aventuras do Sr. Oliveira (um comerciante português que recusa modernizar-se) foram inicialmente publicadas no «Expresso» (suplemento«XXI») em 1997.

Essas e muitas outras podem ser lidas em

www.janelanaweb.com/humormedina

(Atenção, nomeadamente, ao capítulo «Arquivo»)

9 de dezembro de 2005 às 13:34  

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