7.12.05

O Herr Müller - 3 (*)

RECOMPUS-ME o melhor que pude e até acabei por fazer uma entrada bastante digna no escritório do cavalheiro.

O Sr. Müller cumprimentou-me com um misto de cordialidade e frieza profissional e quis saber se eu preferia ser recebido no escritório propriamente-dito ou na sala de reuniões.
Eu disse-lhe que tanto me fazia, mas essa resposta pareceu confundi-lo!

Ao ver que nunca mais saíamos do patamar da escada – onde, aliás, até chovia! - enquanto eu não desse uma resposta satisfatória, acabei por dizer, na brincadeira, que, por mim, a reunião até podia ser na cozinha!

O que eu fui dizer! Tomou a resposta a sério e, depois de passarmos ao hall da entrada, comunicou-me, como se fosse a coisa mais natural do mundo:

- Vamos então para a cozinha.

Mas também não fomos logo.
A casa era antiga, como já disse, e tinha tantas divisões e corredores que havia vários caminhos possíveis para chegar ao nosso destino!

Então, e para meu máximo espanto, o Sr. Müller aproximou-se de um pequeno painel que estava na parede (e que, segundo pude perceber, era um quadro sinóptico associado a uma planta da casa) e carregou num pequeno botão que se localizava na «cozinha».

Nesse momento, acenderam-se uma série de luzes verdes – eram mini-semáforos indicando-nos o caminho ao longo do casarão!

Estando eu perante alguém que me parecia não ser muito bom da cabeça, decidi não fazer comentários nenhuns; limitei-me a acompanhá-lo em silêncio por aqueles corredores infindáveis, por onde seguíamos guiados pelas luzes de sinalização verdes, e iluminados por umas outras, amareladas e em forma de setas, que se iam acendendo à medida que avançávamos.

Teria tudo aquilo sido feito por algum inquilino anterior? Vim depois a saber que não.
Era tudo trabalho daquele cérebro que eu tinha o privilégio de conhecer!

Mas, chegados à cozinha, esse género de surpresas pararam, pois ela em nada se distinguia de milhares de outras que existem pelo país todo – velhas, bolorentas e povoadas à noite por exércitos compactos de ratos e baratas.

A um canto, junto a um velho fogão a gás, havia uma mesa de madeira carcomida e com tampo de zinco, que três ou quatro desconfortáveis bancos de ferro acompanhavam; e foi ali que teve lugar a nossa primeira reunião de negócios de alto nível…

No entanto, quando eu lhe perguntei se íamos tratar dos problemas do seu telefone, e-mail e Home-Page, ele retorquiu:

- Depois vemos isso, depois vemos isso... Agora, queria pô-lo ao corrente de um projecto altamente secreto e para o qual preciso da sua ajuda. Já ouviu falar, decerto, de nanotecnologia…

Claro que já ouvira.
Trata-se de uma tecnologia que envolve materiais incrivelmente minúsculos, com dimensões da ordem de grandeza do nanómetro – um milhão de vezes menor do que um milímetro!

Uma das aplicações de que muito se fala (e parece que já existe desde o início dos anos 90) consiste na fabricação de nano-robôs que podem, por exemplo, circular no interior do nosso corpo e até – pasme-se! – por dentro dos vasos sanguíneos!

Até aí, a minha sabedoria (mesmo a que era só obtida nas revistas da sala-de-espera do dentista) ainda chegava, pelo que fiz um ar de entendido e fiquei à espera que continuasse.
E assim foi…

Fiquei então a saber que ele (pelo menos aparentemente) pertencia a uma poderosa empresa multinacional que trabalhava em segredo nesse ramo e estava a testar um aparelho que ainda não se encontrava à venda.
Depois de muito hesitar, o Sr. Müller desenrolou uma enorme folha de papel branco onde, no meio de inúmeras outras coisas, pude ver, desenhada, uma cápsula que mais parecia um submarino, com hélice e tudo!

- No desenho, isto parece muito grande, mas na realidade tem apenas 10 milímetros de comprimento e cerca de 5 de diâmetro. Estamos ainda longe, muito longe, da nanotecnologia, mas o que importa é o princípio e não a dimensão. Repare que, de certa forma, a cápsula tem a forma de um peixe, e isto que aqui vê, que parecem olhos, são micro-câmaras de vídeo.

Antes que ele continuasse a revelar pormenores do que podia ser um terrível segredo industrial, achei por bem avisá-lo de que nada daquilo tinha a ver com a minha especialidade. E de peixes ainda percebia menos!
Mas ele não se mostrou minimamente preocupado e, pouco depois, foi directo ao que queria de mim:

- Amanhã de manhã, no avião das 8h 24m, chega um pequeno embrulho com umas dezenas de exemplares destas cápsulas, e à noite vem cá um voluntário fazer os testes principais.

E foi nessa altura que percebi tudo:

Esse tal voluntário, que viria depois de jantar, engoliria várias dessas micro-cápsulas-submarino que, em seguida, iriam percorrer o seu organismo todo até saírem… bem… até saírem pelo método natural.

E o Sr. Müller contava comigo para a delicada intervenção técnica… de as recuperar!
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