1.2.06

ENCAVACADO (*)

HÁ PALAVRAS tão gastas que perdem o seu significado. Uma delas é inovação. Parece que basta mudar para progredir. Mas há mudanças boas e mudanças más. Ou será que todas as inovações são boas?

Ontem à tarde estive numa reunião de discussão de programas de ensino. Um dos oradores explicava as suas ideias e repetia de minuto a minuto: «é um programa diferente», «é um programa inovador», «é um programa diferente», «é um programa inovador», «é diferente», «é inovador»...

Disse-o tantas vezes que um dos professores na sala o interrompeu e perguntou «Já percebemos que é diferente. Mas é melhor?» O orador ficou encavacado. Encavacadíssimo. Como se nunca tivesse pensado nesse problema insólito. Balbuciou umas justificações e passou à frente.

Hoje de manhã passei pela Rotunda da Boavista, no Porto, e fui surpreendido com um anúncio de uma escola de línguas. Uma larga faixa estendida no edifício afirmava, orgulhosa: «Aqui NÃO HÁ computadores»!

Curioso! Como se pode ter orgulho em não seguir a moda das novas tecnologias?! Lembrei-me de um laboratório de línguas que existiu durante uns tempos no meu liceu. Tínhamos de falar para um gravador, com uns auscultadores na cabeça, e ouvir a nossa própria voz, para depois corrigir a pronúncia. Na altura aprendia-se francês.

Foi um fracasso, porque se exagerou. Ninguém tinha paciência para ficar muito tempo sozinho às voltas com uns auscultadores e uns microfones. Ao fim de pouco tempo regressámos por completo ao ensino presencial, com uma professora, com diálogos, com leituras, com ditados, com redacções.

Está-se hoje a passar por uma fase semelhante. Há vantagens imensas no uso dos computadores, mas as novas tecnologias têm um papel que não deve ser exagerado. O filósofo pós-moderno Lyotard afirmou, triunfante, que os computadores iam expulsar os professores, mas o bom senso prevaleceu. Pelo menos na Boavista há uma escola que está orgulhosa de ter professores. Daqueles vivos, de carne e osso.

Encontrei depois um amigo e conversámos um pouco. Lembrei-me de um dos segredos da Nokia: os transformadores têm todos a mesma saída, de forma que um carregador de um telemóvel serve em qualquer outro da mesma marca. É uma ideia positiva. Inovar nos carregadores de telemóvel de cada vez que sai um modelo novo é um hábito desagradável de outros fabricantes.

Mas o meu amigo é filósofo. Retorquiu-me: «Sabes... quando a Nokia decide não inovar, está a ser inovadora.»

Foi a minha vez de ficar encavacado.

--
(Adapt. do «Expresso»)

2 Comments:

Blogger Ant.º das Neves Castanho said...

Mais palavras para quê?...

1 de fevereiro de 2006 às 21:09  
Anonymous Anónimo said...

Caro Professor:

Sou aluno no ISEG e penso que falta inovação nas disciplinas de Estatística. A taxa de reprovações continua altissíma há vários anos.
É sinal de que o modelo está esgotado.

2 de fevereiro de 2006 às 01:30  

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