ITALIANIZAÇÃO (*)
CHAMAMOS ‘italiana’ à bica curta, com muito café concentrado em pouquíssima água. Bebe-se de um trago e dá pouco gozo a tipos que, como eu, gostam de prolongar o prazer (e o vício) de beber café. No futebol, é quase a mesma coisa. Jogado ‘à italiana’, proporciona-nos pequeníssimas doses de espectáculo, com um ou outro contra-ataque (ou ataque pela certa) que redunda em golo, às vezes só um golo, mais do que suficiente para arrecadar os três pontos de uma vitória ou a fraca consolação de um empate.
Parece contraditório que um país caracterizado pela Arte e a Beleza – na Música, na Pintura, na Escultura, na Arquitectura, no Cinema do pós-guerra, no Design, na Alta Costura e por aí fora – tenha gerado um estilo de futebol tão pouco espectacular como o catenaccio (‘ferrolho’), que mata a criatividade e aposta na contenção defensiva (futebol de ‘aldrabas’ à porta), sempre à espreita do contra-ataque pela certa, também designado por ‘futebol vertical’, no irresistível ‘futebolês’ dos comentadores que ‘dissecam’ o jogo do pontapé na bola. O drama é que a ‘italianização’ do futebol já dura há décadas.
Hoje, é quase inconcebível ‘armar’ uma equipa com cinco atacantes. Como a do Benfica que conquistou, com muita sorte, a Taça dos Campeões Europeus em 1961, na final de Berna (3-2), com José Augusto, Santana, José Águas, Coluna e Cavém, contra um fabuloso Barcelona que alinhava com Kubala, Suaréz, Evaristo, Kocsis e Czibor no ataque. Ou como a que, no ano seguinte, repetiu a dose em Amesterdão, dessa vez com o enorme mérito de uma linha de avançados constituída por José Augusto, Eusébio, José Águas, Coluna e Simões, batendo (5-3) um fabuloso Real Madrid com Tejasa, Del Sol, Di Stéfano, Puskas e Gento no ataque. E daí os 13 golos em duas finais seguidas.
O triunfo do ‘ferrolho’ italiano veio logo a seguir. O mesmo Benfica foi a vítima do Milan, na final de 1963, em Londres (1-2), e do Internazionale de Milão, na final de 1965, em Milão (0-1). Simultaneamente, foi-se impondo um futebol atlético, baseado no poder físico – um futebol de ‘vacas premiadas’, como lhe chamava Nelson Rodrigues –, que teria a sua consagração no Mundial de 1966, em Inglaterra, no qual o futebol mais espectacular (o da selecção portuguesa, com José Augusto, Eusébio, Torres, Coluna e Simões na frente de ataque) só deu para atingir o honroso terceiro lugar do pódio.
A ‘italianização’ do futebol mundial é um facto. Até os brasileiros se adaptaram. As excepções são raras (Barcelona, Lyon e, por cá, o FC Porto). Em Portugal, Benfica e Sporting optaram claramente pelo futebol de contenção defensiva e à espreita do contra-ataque. É uma ‘rotina’ que torna mais difícil jogar em ataque continuado contra equipas mais fracas, que fazem do ‘ferrolho’ (ou do ‘autocarro’ estacionado à frente das balizas) a chave da sua sobrevivência. O futebol de bica curta dá mais pontos. Mas é pena.
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(*) Crónica de Alfredo Barroso no «DN» de hoje (não está online), aqui publicada com autorização do autor
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1 Comments:
O Alfredo Barroso está é com inveja. A selecção italiana é sempre muito apreciada pelo público feminino.
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