27.8.06

Consenso e bomsenso (*)

O REGIME democrático não funciona por consensos, antes se funda num conjunto de regras para a gestão da natural pluralidade de uma sociedade livre. É este, e não outro, o grande consenso democrático. É isto o que a Constituição exprime. Convém dizer isto à cabeça, porque o abuso das palavras faz delas grandes contrabandistas de ideias - e por isso se vai difundindo a falsa ideia de que consensual é, por definição, mais democrático.
Mas o consenso também não é pecado. Não são pecaminosos os consensos exigidos pela Constituição e pelas leis que a prolongam (dos quais são bom exemplo as maiorias qualificadas para alguns efeitos exigidas). Nem o são as que se exprimem nas maiorias pluripartidárias que se formam no Parlamento, no cruzeiro da vida política. E é certo que a exequibilidade de algumas políticas de Estado, essenciais e duradouras, pode beneficiar com o maior apoio partidário que for possível obter. Porque a Constituição não o proíbe, antes o deixa à livre vontade dos agentes.
Ora, é esta vontade que está em causa no corrente folhetim da escolha de um novo procurador-geral da República. Na origem do caso estão as palavras de Sócrates a Maria João Avillez. Fugindo ao objectivo da pergunta - que era o compromisso do Governo de ouvir sobre o assunto o PSD - o primeiro-ministro respondeu que o PGR é nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo e que a Constituição seria cumprida. Uma declaração que tanto pode significar a recusa de ouvir a oposição como a mera recusa de se comprometer, no incidental de uma entrevista, a fazê-lo. E a recusa de ouvir a oposição tanto pode significar que ela não deve ser ouvida na matéria como que não deve o Governo colocar o Presidente - que é livre de rejeitar nomes propostos e livre de ouvir os partidos políticos - no embaraço de querer recusar o que já foi concertado entre eles.
Até que tal se esclareça, não vale a pena tanta excitação. Vale a pena é sugerir contenção às "fontes" de Belém. Porque não é verdade, como disseram num dia, que Cavaco se comprometeu a esse consenso durante a campanha eleitoral. Nem é correcto, como disseram no dia seguinte, não ser esse o "papel do Presidente", o qual "não quer exorbitar das suas competências". Pois não há silêncio ou quietude que isentem o Presidente de responsabilidades por omissão.

(*) Crónica de Nuno Brederode Santos no «DN» de hoje, aqui transcrita com sua autorização.

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A preocupação de Sócrates é outra.
Os grandiosos projectos do actual governo (Ota, TGV ...) podem dar origem a alguns "contratempos", como, por exemplo, aquele do famoso fax de Macau.
Convem que, na oportunidade, o novo PGR seja tão compreensivo como foi Cunha Rodrigues.
Jorge Oliveira

28 de agosto de 2006 às 10:50  

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