O OURO DE O’NEILL (*)
ALEXANDRE O’Neill foi-se embora, morreu, fez há dias vinte anos. Mas a poesia e a prosa que escreveu ficaram, ainda cá estão, vivinhas da costa. Uma evidência, em duas frases feitas que tresandam a banalidade. E logo escritas a respeito dele, que jamais deu tréguas ao lugar-comum. Se pegava em algum, era para lhe torcer o pescoço, vibrar-lhe uma grande marretada e lançá-lo pelas ruas da amargura, se não com muito humor, com suprema ironia. Ele próprio reconheceu, em O Diabo que vos carregue (1982), «colocar a tónica num certo aspecto subversivo, desconstrutor da poesia que venho conseguindo desfazer». Acreditava mesmo «na existência do Diabo» e era – ou, pelo menos, confessa que chegou a ser – «um Diabo raisonneur, trocista, sarcástico, demolidor».«Lede tudo, sobretudo as obras sobre as quais haveis lido tudo», aconselhava ele enquanto fustigava «a bem-pensância nacional, sempre á procura de tralha para mobilar e decorar a sua cabeçorra». O’Neill repudiava a «ideia de que escrever é uma actividade chique e mobiladora». E depois? A resposta, lá do fundo dos séculos (1833) e traduzida por ele, dava-a Giovanni Gioachino Belli, um dos poetas preferidos: «Depois o ofício, o jejum, a trabalheira, / a pensão a pagar, as prisões, o governo, / o hospital, as dívidas, a crica, / o sol no verão, a neve no Inverno…/ E por último – e que Deus nos abençoe! – vem a morte e acaba no inferno». Sem estátua do comendador, façam favor!
(*) Crónica de Alfredo Barroso no «DN» de 8 Set 06 (não está online), aqui transcrita com sua autorização.
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