15.10.06

Autópsia de um vivo (*)

A MAIOR PARTE dos governos que a memória deste regime alcança acabaram a justificar o seu declínio com o terno eufemismo de que "a mensagem não passou". Ora, mesmo dando de barato que há matérias que carecem de melhor explicação, o que mais deve importar ao actual Governo é que não passe a má mensagem, isto é, a do contraditório, do confuso, do arrogante. O Sócrates que foi à Madeira enfrentar os desmandos apocalípticos de Alberto João Jardim não foi o primeiro-ministro, mas o secretário-geral do PS. E nem por falar no âmbito partidário deixou de implicitamente afirmar a autoridade do Estado. O Sócrates que em Évora assinalou o começo de uma evolução positiva da nossa economia, atacando a incongruência das sucessivas críticas do PSD, não foi o primeiro-ministro, mas o secretário-geral do PS. E nem por isso deixou de preparar a opinião pública para o debate a fazer em torno do Orçamento. Com isto se preservaram várias coisas, entre elas os desejáveis protagonismos da Assembleia da República e do ministro das Finanças (devendo este dar ainda lugar ao chefe do Governo, mas a seu tempo). Por seu turno, Teixeira dos Santos tem mostrado contenção pública, em respeito pelo primado do Parlamento. Tudo coerente e articulado.
Por isso, o improviso do ministro da Economia em Aveiro é uma lamentável dissonância. Proclamar, em pose televisiva - e quinze horas depois de oitenta mil almas enxamearem Lisboa a gritar os seus medos e aflições - que "a crise acabou totalmente" é um erro de nota zero. É autopsiar um corpo que mexe. Manuel Pinho até pode achar que os manifestantes são gente iludida. Mas há infelizmente quem viva iludido e há felizmente o direito de votar iludido. Pode também alegar que a sua frase é tecnicamente defensável. Isso importará talvez aos técnicos com cujos indicadores trabalhou. Mas é politicamente indefensável e o juízo que se faz sobre o que diz um ministro é político. E é um erro ainda porque fere a legitimidade de dois grandes constrangimentos cuja tinta nem secou: o acordo na Concertação Social e a decisão de apresentar um Orçamento de contenção.
Há quem defenda que a política não se faz com o subtil e o simbólico, como há quem pense que um jantar agradável não requer um mínimo de boas maneiras. Mas, mesmo filiando nesta escola homens de sucesso como George W. Bush ou Kim Jong-il, o entendimento que ainda vai prevalecendo é o contrário. Felizmente.
(*) Crónica de Nuno Brederode Santos no «DN» de hoje, aqui transcrita com sua autorização

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Na parte que toca a Manuel Pinho, esta crónica bem podia chamar-se «Autópsia de um "vivaço"».

15 de outubro de 2006 às 12:11  
Anonymous Anónimo said...

Compare-se a sobriedade de Vieira da Silva, Luis Amado, Mariano Gago e Teixeira dos Santos com a imaturidade de que dão mostras Correia de Campos, Jaime Silva e Manuel Pinho no contacto com o povo!

A própria Ministra da Educação pode, às vezes, estar cheia de razão, mas também é um desastre comunicacional e de relações humanas.

Ed

15 de outubro de 2006 às 13:22  

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