14.10.06

O ministro e o moribundo (*)

SEGUINDO a caricata moda de dizer «o que se queria dizer quando se disse o que se disse», Manuel Pinho, ministro da Economia, também já veio esclarecer que quando proclamou que «a crise acabou totalmente» apenas queria «deixar uma palavra de esperança aos portugueses».

De qualquer forma, podia tê-lo feito sem recorrer a uma mentirita (que, de tão ridícula, nem o chega a ser...) - bastava-lhe agir como o homem que quis animar um amigo que estava à morte e a quem disse, com um sorriso de orelha a orelha:
- Ah, grande maroto! Com que então moribundo... e não dizias nada à malta, hem?
-
(*) Publicado no «DESTAK» de 17 Out 06 e no «metro» do mesmo dia - mas, neste, com corte da parte final e o título alterado!

2 Comments:

Blogger Pedro Almeida said...

É impressão minha ou este ministro foi o maior erro de casting de José Sócrates ?

15 de outubro de 2006 às 00:20  
Anonymous Anónimo said...

A crise acabou


Eduardo Dâmaso («DN» de 15 Out 06)

O ministro da Economia deu na sexta--feira a grande notícia: "Eu acho que a crise acabou totalmente", disse Manuel Pinho. Depois arrependeu-se e corrigiu o tiro, mas produziu uma declaração ainda mais surpreendente do que a primeira: "Não se decreta o fim de uma crise. É um bocadinho infantil (...), o que eu quero dizer é que não é bom falar de crise."

Estonteante? Não, só um bocado confuso. O ministro acha-se infantil? O ministro acha que a crise acabou completamente, só um bocadinho ou que ela não acabou de todo mas não é bom andar sempre com a crise na boca?

Num país melancólico, é sempre bom haver ministros bem-dispostos, que sabem que atacam a maldita crise existencial dos portugueses com uns ditos que puxam à gargalhada. Afinal, terá sido esse o caso. O ministro queria pôr os portugueses a rir um bocado. Até porque, que diabo, a crise é relativa. Tecnicamente, não estamos em recessão porque a economia cresce há vários trimestres consecutivos. Tecnicamente, a administração pública está a ser "desengordurada", para usar a palavra do ex-dirigente socialista Jorge Coelho. Tecnicamente, a mesma receita está a ser aplicada na saúde, na educação. Tecnicamente, só temos razões para estar felizes. Portanto, abaixo a crise! "Desengordure-se" a crise!

O problema é que a crise existe cada vez menos "tecnicamente", mas ela persiste em manter-se na vida real de muitos portugueses. Desde logo, na vida daqueles que vão pagar mais pelas novas taxas moderadoras e que, ainda por cima, levam uma reprimenda de uma antiga ministra da Saúde socialista como se fossem uns malandros que queriam tudo de borla a vida inteira. Ou na vida dos idosos que não têm dinheiro para pagar medicamentos. Ou das famílias que gastam todos os anos uma fortuna em livros e materiais escolares, alojamento e transporte de filhos que estudam fora da área de residência. Ou dos jovens licenciados que não encontram emprego. Ou dos operários que vêem as fábricas fechar.

A crise também só existe na solidão dos velhos que vivem em prédios degradados de onde não conseguem sair anos a fio. Ou na vida das largas centenas de milhares de pessoas que vivem em Portugal abaixo do limiar da pobreza e, em particular, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. O radioso optimismo de Manuel Pinho ainda há-de chegar um dia a estes portugueses, mas, por agora, não dá para gloriosos amanhãs que cantam. Júbilo tamanho só mesmo no espírito do ministro.

15 de outubro de 2006 às 08:32  

Enviar um comentário

<< Home