O repetente
AO FAZER as malas para Bruxelas, Durão Barroso escolheu Santana Lopes. Creio que, numa futura prestação de contas, ele o desmentirá, alegando que a sua sucessão foi modelarmente institucional. Mas terá de esperar - um esperar de espera e de esperança - que a memória colectiva faça as malas também. Porque, certo que estava do seu poder de ainda primeiro-ministro, ele bem sabia que dos seus fiéis não adviriam entraves e que a escolha de Santana compraria o entusiasmo dos seus adversários no partido. E, para as ambições que então guardava para um futuro incerto, também Santana se afigurava a melhor escolha, porque não lhe ensombrava os amanhãs.
Este, porém, em quatro escassos meses, excedeu as piores expectativas. Não me refiro já aos contributos que deu para o anedotário do pós-25 de Abril, mas sim ao vertiginoso carnaval de improvisos, leviandades, demagogias, vitimizações obsessivas, faltas de sentido de Estado, descoordenações, mancebias entre Estado e partido, contradições e "trapalhadas" (tantas e tais, que esta palavra instalou-se e desperta tão pavlovianamente os receios populares que já não é fácil fazer oposição sem ela). Só que o povo não gostou do populismo e ele foi fragorosamente derrotado nas urnas. Não foi, porém, viúva que se lançasse na campa do querido defunto. Não. Arredou-se pelo único prazo que conhece, que é o curtíssimo, e posou como "elder statesman". Reapareceu depois, cordato e manso, para reentrar no Parlamento, mas anunciando que um ex-primeiro-ministro tem voo de águia: não se intromete no quotidiano partidário nem desce às tricas do poder. Agora, sem deixar morrer o eco desse anúncio, já ele legisla no éter e comenta na praça, para ensinar Marques Mendes a zurzir o Governo e a honrar o estatuto de maior partido da oposição (que, apesar dele mesmo, o PSD ainda é). Numa síntese bem melhor do que a que eu pudesse aqui improvisar, Filipe Nunes Vicente, no blogue "Mar Salgado", escreveu: "Santana Lopes liderou um Governo que tomou posse em Julho, foi de férias em Agosto e, no regresso, declarou o fim da crise. Não me parece que tenha autoridade para falar em batota política".
Não se deseja a ninguém um calabouço em Guantánamo. Mas, se o PSD continuar a tratar as suas baixas em tão zelosa conformidade com as Convenções de Genebra, vai ter muito com que se entreter no futuro próximo. E não é a fazer oposição.
«DN» de 29 Out 06
1 Comments:
Santana Lopes; Luís Filipe Menezes, M. M. Carrilho (e tantos outros) pertencem à confraria dos que são incapazes de se ver de fora, não têm a mínima noção de como são vistos pelos outros.
Os brasileiros usam a expressão "não se enxergam". Tem um significado um pouco diferente, mas não anda muito afastada da realidade, nestes casos.
M.
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