18.10.06

Os Juízes no Futebol (*)

HÁ DOIS sinais exteriores de incumprimento dos deveres deontológicos inerentes à condição do juiz: a presença de magistrados nos tribunais do futebol e as aulas em universidades privadas.
As aulas em universidades privadas com pagamentos em fraude à lei (direitos ditos de autor) ou mesmo por baixo da mesa não são nada tranquilizantes. Indiciam um grau de exigência ética demasiado baixo para função de magistrado.
Pior, contudo, é a sua presença nos tribunais do futebol.
O estado do futebol (por causa das tais escutas que vieram trazer à luz do dia aquilo que estava tapado) sabemos nós qual é.
A frequência de tais ambientes por juízes é tudo menos aconselhável. Contudo, para além destas questões de ordem prática, há uma questão de princípio: por que estranho motivo têm que ser juízes os titulares de tais órgãos?
Um juiz é um jurista a quem foram dadas, mediante o seu afastamento de actividades profissionais públicas ou privadas, condições institucionais ou pessoais para um julgamento independente das questões que lhe são colocadas. Não são pessoas ungidas por santos óleos de modo a ficarem preservadas do pecado da parcialidade que recairia de forma inevitável sobre os demais juristas.
No mundo anglo-americano um juiz começa por ser advogado ou, nos EUA, professor de direito, antes de lhe ser confiada a função de julgar. O modelo europeu continental do juiz de carreira é um dos possíveis. E mesmo na Europa os tribunais constitucionais, tal como sucede com a Supreme Court norte-americana, têm uma escolha política fora da carreira judicial.
Tudo isto é possível ou desejável ainda que no imaginário popular advogado seja sinónimo de indivíduo sem escrúpulos. Talvez por isso os impolutos dirigentes desportivos achem que a profissão de advogado gera uma tal degenerescência que a um jurista que não seja juiz jamais poderão ser confiadas as tarefas da chamada justiça desportiva. Ora não é exacto que os advogados, todos os advogados, sejam um bando de patifes.
Que alguns são não é grande novidade. Mas será de todo impossível encontrar advogados bem sucedidos profissionalmente, com vergonha na cara e uma carreira prestigiante, para preencherem os órgãos destinados a julgar os litígios do futebol?
Da paixão clubística já ouvimos falar: mas haverá na condição de juiz alguma especial idiossincrasia qualquer espécie de feitiço ou amuleto contra esta paixão? Bastará usar toga em vez de beca para que haja a isenção necessária?
Um advogado com prestígio e sucesso profissional seria menos vulnerável às tentações das senhas de presença e das almoçaradas do que os magistrados que aceitam esses cargos. A menos que a independência e a imparcialidade de um jurista só possa resultar de qualquer sortilégio mágico que acompanhe a investidura na condição de magistrado.
-
(*) Crónica de J. L. Saldanha Sanches, publicada no «Expresso» de 14 Out 06 (não está online), e aqui transcrita com sua autorização.

Etiquetas:

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Foi penoso, por alturas do "Caso Mateus", ouvir Cunha Leal a dissertar na TV.

Com uma assinalável falta de contenção, ele mais parecia um daqueles dirigentes desportivos que nos borrifam a torto e a direito com a sua verborreia.

M.

18 de outubro de 2006 às 20:01  
Anonymous Anónimo said...

Caro Saldanha Sanches,

Não é assim tão estranho ver juízes interessados na bola, pois trata-se de um fenómeno/doença que ataca até o mais pacato dos cidadãos:

Veja-se como Jorge Sampaio quase perde a compostura quando está em causa o Sporting, ou como o Miguel Sousa Tavares entra em "parafuso sem rosca" se lhe falam do FCP, do Scolari ou do Vítor Baía!

Este (MST) ainda vai ao requinte espantoso de adiar a crónica da TVI (de 3ª para 4ª, como sucedeu esta semana) por causa do jogo da bola!

19 de outubro de 2006 às 09:30  
Anonymous Anónimo said...

É pena que as crónicas de S. Sanches no Expresso não sejam semanais, pois é uma lufada de ar fresco num jornal que está muito fraquinho.

Também gosto de o ver e ouvir na SIC-N, mas nunca se sabe quando aparece.
Alguém sabe dizer se ele "tem dia certo"?

21 de outubro de 2006 às 23:21  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

M. Rosa S.,

Resposta de Saldanha Sanches:

Expresso: é de três em três semanas

Sic: São duas vezes por mês sem dia fixo

22 de outubro de 2006 às 18:30  
Anonymous Anónimo said...

Tb gosto de ouvir o Saldanha Sanches, mas no Prós-e-Contras foi uma desilusão:
Falou pouco, foi muito interrompido e, quanto a mim, estava sentado no sítio errado.
Sendo o programa apresentado como uma espécie de combate, ele foi metido na "equipa" governamental.
Pela ideia de independência que temos dele, ficaria melhor na assistência.
Talvez não falasse menos e teria tido mais influência.
Assim deu a sensação de uma oportunidade perdida.
O seu ar de gozo (que em geral cai bem) ali não teve o efeito habitual, pois ele estava (parecia) desconfortável.

Ed

23 de outubro de 2006 às 08:53  
Anonymous Anónimo said...

Do lado certo estava: não do lado deste governo mas do lado de ideias que defendo há muito. É verdade contudo que não consegui escapar (e devia ter conseguido) ao clima de tensão que se instalou no ar.

Contudo há uma coisa que me parece óbvia: ou conseguimos controlar as finanças dos municípios e regiões ou estamos perdidos

23 de outubro de 2006 às 18:39  

Enviar um comentário

<< Home