Voar baixinho (*)
NORONHA do Nascimento foi eleito, sem concorrência, presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Ao que dizem alguns profissionais do foro, tratar-se-á de um bom juiz: homem culto, tecnicamente apetrechado, ouvidor atento e decisor imparcial. Ainda bem. Assim se entenderia o voto das seis ou sete dezenas de magistrados daquele tribunal que constituem o universo eleitoral. Porque o presidente do STJ é, como o Sumo Pontífice, eleito pelos seus pares, num exercício de democracia a nível aristocrático.
Menos vulgar é o recurso, num universo tão restrito e presuntivamente tão sofisticado, aos meios típicos de uma campanha eleitoral, como o envio de um túrgido manifesto-programa de cinco páginas a todos os eleitores. Mas talvez o meu incómodo seja fruto de uma costela conservadora que reage mal ao evocar as promessas e as ofertas de T-shirts, quando dirigidas a um "povo" que veste beca.
Mas a reivindicação de aumento dos salários dos juízes de topo ou da criação de um sistema de assistência médica privativo dos conselheiros é uma bizarria a vários títulos. Desde logo, por nos fazer imaginar Sócrates e Cavaco a reclamarem, nas respectivas campanhas, o aumento dos seus ordenados (e a serem, apesar disso, eleitos). Depois, porque o espírito sindical não é a melhor cultura para os órgãos de soberania que se visa servir, num Estado que até se declara contrário a tudo isso.
Pior mesmo só a reivindicação de um lugar no Conselho de Estado. Porque ela revela duas coisas graves. Uma, é a picada de um sentimento menor, como é a já antiga ciumeira para com o Tribunal Constitucional, poder levar o STJ a ambicionar presença num órgão político. Outra, é pretender-se que o STJ tenha a iniciativa política de revisões constitucionais, quando a sua isenção resulta de aplicar uma lei que não faz e que é feita por quem não a aplica.
Há trinta anos, a Constituição olhou, num enlevo de alma, os senhores conselheiros, esses máximos zeladores da aplicação da lei, e murmurou: "Fiant eximia!" Achei bem. Mas então não se usurpem funções sindicais, nem se feche o STJ na pequena contabilidade das regalias individuais. E que não se amamente o devaneio embrionário de uma república de juízes.
Porque, politicamente, é primário mas é perigoso. E entretanto já só temos pela frente uma oportunidade para a reposição da normalidade nisto tudo: os discursos na posse.
(*) Crónica de Nuno Brederode Santos no «DN» de hoje, aqui transcrita com sua autorização
(*) Crónica de Nuno Brederode Santos no «DN» de hoje, aqui transcrita com sua autorização
Etiquetas: NBS
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home