15.11.06

Ainda a sinistra...

NO «DN» de hoje, Vasco Graça Moura retoma o sinistro tema da TLEBS - e faz MUITO bem!
«Ainda a TLEBS
Das complexidades inadmissíveis da nova terminologia linguística para os estudantes do ensino básico e secundário (TLEBS) já se tem falado com mais ou menos pormenor. Da dificuldade de adaptação dos professores à nova terminologia, bem como ao seu manuseio, e da impossibilidade prática de os alunos a compreenderem, também já se falou, antevendo-se as piores catástrofes. Da preparação de manuais que a apliquem tem-se falado menos. (...)»
NOTA: Pela sua extensão, o texto completo transcreve-se em «Comentário-1». É particularmente interessante a parte final, onde VGM aborda as previsíveis consequências da aplicação da TLEBS nos PALOP.

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ainda a TLEBS

Das complexidades inadmissíveis da nova terminologia linguística para os estudantes do ensino básico e secundário (TLEBS) já se tem falado com mais ou menos pormenor. Da dificuldade de adaptação dos professores à nova terminologia, bem como ao seu manuseio, e da impossibilidade prática de os alunos a compreenderem, também já se falou, antevendo-se as piores catástrofes. Da preparação de manuais que a apliquem tem-se falado menos.

Todavia, há mais de um ano que o Ministério da Educação comunicou às escolas dever a TLEBS constituir uma referência no tocante às práticas lectivas, à concepção de manuais e aos documentos produzidos em matéria de ensino e divulgação da língua portuguesa.

A estratégia irresponsável de quem, no ministério, paraninfa tão zelosamente estas bizarras inovações está à vista: se a TLEBS começar a ser consagrada nos manuais, as coisas tornam-se irreversíveis porque os editores de livros escolares não quererão, depois, ver desperdiçado o investimento que fizeram...

Entretanto - e este ponto põe mesmo em questão as próprias políticas do ministério em matéria de contenção do dispêndio das famílias com manuais escolares - os pais, esses, lá voltarão a desembolsar mais dinheiro de ano para ano, porque os manuais anteriores deixam de servir!

Ora, sendo, proclamadamente, progressiva a implantação da TLEBS nas práticas lectivas, na concepção dos manuais e nos documentos produzidos na matéria, isto quer dizer que esse fluxo derrancante das economias familiares não parará tão cedo...

Também não se tem falado de outros aspectos que se afiguram da maior relevância. O primeiro respeita, precisamente, ao papel dos responsáveis pela educação fora da escola. Numa área como a da aprendizagem da língua materna, em que a família tem um papel extremamente importante e em que muitos pais colaboram regular e validamente com os filhos ajudando-os a estudar, vai tornar-se inviável que o façam. Se, mesmo para os professores mais preparados (e, a avaliar pela generalidade dos resultados do ensino do português, eles não serão muitos...), a adaptação se vai tornar dificílima, para os pais, então, a gramática portuguesa tornar-se-á uma espécie de sânscrito ou de chinês.

O que me parece ser o grande equívoco da TLEBS é que ela confunde o plano científico (não interessa se discutível ou indiscutível) da compreensão e descrição das funções das várias categorias gramaticais com o plano prático e didáctico da designação delas. Ora a manutenção de uma terminologia mais ou menos tradicional não inviabiliza de todo a questão científica. Se se está habituado a falar em "complementos circunstanciais", por exemplo, a análise científica não impõe que se passe a chamar-lhes "modificadores", mesmo que conclua que o são. Outras ciências, como a pedagogia, a didáctica ou a sociologia educativa podem perfeitamente concluir que a inovação é nociva e desajustada, por muito científica que se proclame...

Por outro lado, no tocante à aprendizagem de línguas estrangeiras, nomeadamente do inglês logo no básico e, depois, ao longo do secundário, que é uma das bandeiras da política educativa do Governo, está à vista a confusão que acabará por se gerar, ao longo dos curricula escolares, com o recurso simultâneo a nomenclaturas gramaticais completamente diferentes... Tudo com os resultados brilhantes que também se antevêem... A menos que se espere que os jovens vão aprendendo outras línguas sem tocarem nas gramáticas respectivas.

E, depois, considere-se a cooperação com os PALOP. Em África, onde o português é uma língua veicular, as estruturas do ensino são frágeis, os professores são poucos, a preparação pedagógica é deficiente, os livros são difíceis de obter e, muitas vezes, os instrumentos imprescindíveis de trabalho nesta matéria são aproveitamentos de materiais que já não são utilizados em Portugal. E onde, conforme as áreas da latinofonia ou da anglofonia, há uma grande concorrência de outras línguas europeias com a nossa.

Já se pensou na trapalhada sem nome que a TLEBS ali vai gerar? Na confusão indescritível em que professores e alunos africanos vão ser lançados? Nos custos editoriais desnecessários em que as autoridades desses países terão de incorrer? As coisas anunciam-se de tal modo perturbantes que se acabará por desejar que, a bem da língua, a cooperação quanto ao ensino do português em África seja confiá-lo a professores brasileiros...

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Vasco Graça Moura
Escritor

15 de novembro de 2006 às 15:48  
Anonymous Anónimo said...

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Agora já se percebe por que é que o Eça de Queiroz escrevia tão mal.
Pois se ele não conhecia a TLEBS...
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15 de novembro de 2006 às 19:17  
Anonymous Anónimo said...

No título, onde está "sinistra" não será "ministra"?

15 de novembro de 2006 às 20:06  
Anonymous Anónimo said...

E o pior é a sensação de impotência que tudo isto nos dá.
Ainda não chega de maus resultados?
Porque será que não correm com os iluminados que andam lá pelos corredores do Min. da Educação a tramar a vida à gente?
Chega de experiências com o nosso futuro !

16 de novembro de 2006 às 00:34  
Anonymous Anónimo said...

Há uns 20 anos, quando os meus filhos andavam nos primeiros anos do ensino secundário, disseram-me que tinham aprendido um termo novo "narratário" e perguntaram-me se podia explicar-lhes melhor. Respondi-lhes que só conhecia "narrador" mas eles responderam que isso estava errado.

Fui ao ministério da Educação perguntar, pedindo que me esclarecessem se, com estas novas terminologias, pretendiam transformar a língua portuguesa como uma ciência enquanto parecendo não haver preocupação para que os alunos soubessem ao menos escrever um postal (quanto mais uma carta).

Resposta: É isso mesmo que se pretende - a língua portuguesa tem que ser uma ciência, mesmo a nível do ensino secundário.

16 de novembro de 2006 às 13:05  

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