28.12.06

«ACONTECE...»

Na morte de Eduardo Street

MORREU HOJE O HOMEM que dedicou toda a vida ao teatro radiofónico, numa RDP que não o merecia.
No seu livro “Teatro Invisível”, onde está a única história que se escreveu sobre o teatro radiofónico em Portugal, Eduardo Street deixa a memória completa e minuciosa de uma arte moribunda entre nós. Lançado há poucos meses, constitui uma espécie de testamento do que o autor imaginava que pudesse ser o renascimento de um género e de uma velha tradição.
Mas não. O Eduardo morreu, desiludido sem amarguras, resistente sem sarcasmos, impiedoso sem deselegâncias.
Na sua RDP, onde teimou continuar como colaborador mesmo depois de reformado, bravejou até ao fim contra o desprezo a que os directores de antena votavam o “seu” teatro. Recuperou peças do arquivo, encenou textos clássicos e modernos, traduziu e adaptou títulos que jaziam na ignorância dos seus superiores hierárquicos. Depois, quando chegava a hora da emissão, ou não havia lugar na programação, ou arranjavam-se umas gavetas que não ofendessem os novos ventos que fazem da RDP uma rádio cada vez mais desinteressante e cada vez menos de serviço público. Mas ele lá continuava a teimar, sereno, modesto, elegante e… cabeçudo.
Fomos colegas de Direcção na Sociedade Portuguesa de Autores durante dois mandatos. Tínhamos o pelouro da Rádio. Por isso pude conviver longas horas com aquele espírito sempre tranquilo e sempre inquieto. Quantas vezes nos rimos, quantas nos irámos perante o desastre em que caiu, num País imbecilizado, uma das armas mais populares de difusão de ideias e estéticas, como é o teatro na rádio. Pouco depois da saída do seu livro levei o Eduardo ao meu programa de rádio “Acontece” e ali gravei uma conversa riquíssima. Havia pormenores, histórias – sobretudo subentendidos! – que o Eduardo não tinha querido escrever, mas deixou ali contado, na sua voz grave, bem colocada, de verdadeiro homem de teatro. Hoje mesmo ofereci a algumas rádios cópias dessa entrevista, na esperança de que aquele precioso arquivo fosse novamente arejado.

Não, a RDP não merecia a dedicação daquele seu profissional. Não merecia, sobretudo, a sua militância pela causa do “teatro invisível”. Porque uma rádio surda não consegue ouvir vozes inteligentes. Claro que fico numa vaguíssima esperança de que, ao menos por causa desta morte e do coro que há-de levantar-se, de todos os actores e autores, tradutores e sonoplastas que ficaram literalmente órfãos naquela Rádio de serviço público, ao menos por causa disso, se possa abrir um rasgão de bom senso na programação das Antenas do Estado e haja outra vez teatro radiofónico em Portugal. Ao menos na rádio pública. Mas, como digo, não passa de uma esperança vaguíssima.
Tão esfarrapada é esta esperança, quanto o telejornal desta noite - digo bem: o Telejornal, da RTP, a mesmíssima casa habitada pela RDP - pura e simplesmente ignorou a morte de Eduardo Street. Desgraçado homem que não foi futebolista, nem apresentou concursos idiotas na antena do serviço público de televisão. Ou seja: Ninguém o conhecia na RTP. Não teve direito a notícia.

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12 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Acho que sei porque não houve imagens do funeral no telejornal da RTP. Simples: porque não estava nenhum administrador nem director da RTP/RDP nesse funeral!!!! Eduardo Street foi a enterrar e SUA casa virou-lhe as costas!!!
(Vai anónimo porque sou funcionário dessa tenebrosa casa, meus amigos...)

28 de dezembro de 2006 às 22:52  
Anonymous Anónimo said...

Não o conhecia, nem sabia quem era. Mas depois de ler este artigo vou arranjar o livro de Street e ficar a conhecer coisas que só depois da sua morte acabo por saber.

29 de dezembro de 2006 às 01:45  
Anonymous Anónimo said...

Vivendo longe de Portugal, escutei há muitos anos peças de teatro pelo rádio, dirigidas por Street. Estou sabendo agora de sua morte. Acho muito justa essa homenagem que Carlos Coelho escreveu.

29 de dezembro de 2006 às 04:52  
Anonymous Anónimo said...

Meus caros,

Ontem, para a RTP, SIC e TVI, todo o tempo foi pouco para falar da criancinha morta - e note-se que todas o fizeram ao mesmo tempo e a abrir os telejornais das 20h.

Para nos consolarmos dessas e de outras coisas que tais, aqui fica um link a não perder (uma saborosa "homenagem" à TV-Lixo):

http://www.youtube.com/watch?v=_YzFww6BZ68

29 de dezembro de 2006 às 08:46  
Anonymous Anónimo said...

Caro Carlos:

Obrigada por este fantástico artigo sobre o nosso querido Eduardo Street.

Judite Lima

29 de dezembro de 2006 às 09:35  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

"Clicar" na imagem para a ampliar.

29 de dezembro de 2006 às 12:11  
Anonymous Anónimo said...

Lembro-me bem de uma longa viagem que fiz, de carro, vindo do Porto. Estava um tempo péssimo e ainda não havia autoestrada.

Tive a sorte da vir a escutar a deliciosa peça «Deus lhe pague!», de Juraci Camargo, algo que nunca esquecerei.
Fico agora a saber a quem, possivelmente, o devo.

C.R.

29 de dezembro de 2006 às 12:26  
Anonymous Anónimo said...

Pois...
Isto anda um deserto...

29 de dezembro de 2006 às 13:51  
Anonymous Anónimo said...

A tristeza do STREET de ter assistido ao funeral do teatro radiofónico na Rádio Pública tinha a ver com o teatro mas principalmente com os actores os nossos magnificos actores que adoravam ensaiar e sem imagem transmitir todas as emoções na voz aos ouvintes que tanto reclamaram quando a grelha ignorou um dos momentos mais desejados por eles e por nós
teresa nunes

30 de dezembro de 2006 às 11:15  
Anonymous Anónimo said...

Toda a gente sabe que o CPC escreve bem e textos sempre interessantes.
Assim sendo, porque é que aparece tão raramente neste blogue de que até é fundador?
Não terá, em arquivo, mais crónicas, reportagens, fotos, comentários?
Não acredito.

Ed

30 de dezembro de 2006 às 17:27  
Anonymous Anónimo said...

MISSA DE SÉTIMO DIA: 2 DE JANEIRO, 19H00, IGREJA DE NOSSA SENHORA DAS DORES

31 de dezembro de 2006 às 16:13  
Anonymous Anónimo said...

Obrigado pelas tuas palavras!Conheci o Eduardo há poucos anos, embora conhecesse o seu trabalho há muitos. E conhecê-lo foi uma das coisas boas que me aconteceram.

Manuel Freire

3 de janeiro de 2007 às 11:53  

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