17.12.06

Coisas do ego

NO ENCERRAMENTO do debate sobre o Plano e Orçamento para 2007, o Presidente do Governo Regional da Madeira falou do seu distanciamento em relação ao Governo da República. Respiguei da imprensa os seguintes e principais argumentos, por ele dirigidos, ora ao primeiro-ministro, ora ao Governo de Portugal: aldrabão, cambada, criminoso, hipócrita, mentiroso, patifarias, tontos e tresloucado (o leitor notará o meu esforço para ordenar alfabeticamente o valioso argumentário). Mais direccionado para a bancada socialista, o discípulo Jaime Ramos ainda enriqueceu este rol: aldrabões-mentirosos (não sei se a redundância leva hífen), bando, ignorantes, mafiosos, medíocres, psicopatas e traidores.
Penso que o insulto, sendo embora uma arte menor, pressupõe algumas letras. Não vou, por isso, deter-me aqui na regressão cavernícola a que estão sujeitas as instituições democráticas da Madeira. Apenas me questiono sobre qual, entre tantos candidatos a líder do PSD, será o primeiro a constatar o crescente desconforto que estas práticas e esta cultura institucional inspiram a uma classe média que o PSD gostaria de fazer sua e a tirar daí as devidas consequências. Mesmo arriscando alguns custos imediatos. Porque são o risco e os custos que fazem a credibilidade.
Mas a hierática cerimónia permitiu ainda ao Presidente regional anunciar que vai denunciar o Governo português junto de instâncias internacionais, através de um documento a aprovar pela Assembleia Legislativa. Anunciou, mas não vai. E não só porque ninguém lá fora o ouve, mas, mais elementarmente, porque a Constituição não deixa. O Governo Regional não goza de poderes soberanos e não tem canais autónomos de representação externa. Pode apenas "cooperar" com "entidades regionais estrangeiras" e, mesmo assim, de acordo com as orientações dos órgãos de soberania com competência em política externa.
Esta derrapagem progressiva para um poder onírico e virtual, esta saga infantil do ego, evoca em mim o jovem sérvio (simpático, mas sem quaisquer atributos para derreter um coração feminino) que conheci em Seattle. No bar do hotel, ele passeava um olhar dengoso sobre todas as embaixadoras do outro género, que o ignoravam, enquanto me ia contando que, um dia, em Roma, tinha visto a Sophia Loren e só não tinha dormido com ela porque já era um homem casado.
«DN» - 17 Dez 06

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