23.4.07

UTILIDADE PÚBLICA, BOLSOS PRIVADOS

OS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS são instituições de utilidade pública com fim altruísta que se dedicam a tarefas tão nobres como o transporte de doentes ou o combate a incêndios. Mediante o pagamento respectivo.
Tempos houve em que a nobreza dos seus fins justificava até a isenção do IRS nas indemnizações que recebiam quando combatiam incêndios com a cómica justificação que os pagamentos eram indemnizações pelo trabalho prestado e não remunerações sujeitas a IRS. Agora, pelo menos teoricamente, já pagam.
Interessante é que com estas remunerações nem são bombeiros (geralmente não sabem apagar fogos de floresta) nem voluntários. Voluntariado pago é coisa que nunca se viu.
A importância de tudo isto é que os bombeiros - os quartéis de bombeiros criam por todo o país uma enorme rede de empregos construções e gastos públicos de uma grande porosidade - ao lado dos clubes de futebol (também associações utilidade pública que de repente se viram a gerir milhões de euros) os bombeiros foram ocupando áreas negociais tão importantes como o transporte de doentes: um negócio de 135 milhões de euros em 2005.
Assim como os clubes de futebol tiveram, também os bombeiros têm uma boa imagem junto da opinião pública. Assim como os municípios, também proporcionam não tanto empregos, mas antes biscates a juntar ao emprego principal.
Quanto a empreitadas e fornecimentos são uma parte integrante da cultura autárquica. Municípios, clubes de futebol, corporações de bombeiros.
Nada que se possa desprezar naquelas regiões do interior onde é mais intensa a cultura da dependência e onde reina convicção profunda de que a única fonte possível de receitas é a que tenha origem no Orçamento.
A abertura do transporte de doentes a empresas privadas, como propõe a Entidade Reguladora da Saúde, seria certamente uma solução mais adequada que o regime semi-público dos bombeiros, que tem todos os problemas da gestão pública mais os que provêm da possibilidade de apropriação de fundos do estado. Similar aos clubes de futebol antes das SAD, a maior parte das corporações de bombeiros são empresas que se não assumem como tal e onde o escopo negocial é a captura de financiamentos públicos.
Mas tal como no combate aos fogos, se o contribuinte vai ter de pagar, então o melhor é recorrer a profissionais que saibam o que estão a fazer e não estejam ao mesmo tempo no seu emprego e nos bombeiros.
No transporte de doentes em vez deste monopólio público teríamos a concorrência entre várias entidades: pior não ficamos.
A única razão para isto não acontecer é um certo peso que os bombeiros têm no cacicato local e nos aparelhos partidários: a solução mais eficiente pode não ser a melhor solução política.
O folclore local num país ainda conservador e rural resiste às soluções mais racionais, quer seja no fecho de escolas ou maternidades quer seja no transporte de doentes: esperemos que a desertificação do interior (que só poderia cessar com o recurso às pulseiras electrónicas) vá fazendo o seu trabalho de desruralização das mentalidades.
«Expresso» de 21 Abr 07

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ora aqui está uma bela análise sobre um problema que o cidadão anónimo muitas vezes desconhece. O tempo não chega para tanta preocupação. Ele é o futebol, ele é a vida do jet-set, ele é o Eusébio, etc. etc. etc.
Como é que é possível mudar isto? Cidadão inculto, é cidadão cego.

23 de abril de 2007 às 16:49  

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