A QUADRATURA DO CIRCO
Gente séria
Por Pedro Barroso
HÁ NESTE PAÍS uma plêiade de homens e mulheres que nunca acreditou, acreditando.
Gosto deles. São gente determinada, mas sem agressividade; gentil, sem ser passiva; corajosa, mas sem perder o sentido das coisas. Gente entusiasta, sem ser lunática.
Resistem – como a incrível aldeia gaulesa – ainda e sempre ao invasor.
Entenda-se, neste caso, por invasor, o mau gosto, o nepotismo, a gestão caótica, o clientelismo, a corrupção, a incultura, a mentira institucional, o pequeno e grande roubo (o fiscal e o outro), as prepotências de Estado, a chicoespertice, o desarranjo de entulhos e vadiagens várias, as floribelas televisivas, a deseducação geral, a imbecilidade galopante.
Sabem calar, ler os sinais, falar. Aprenderam o conjuntivo e praticam-no. Têm ideias e discutem-nas. Talvez abusem da perifrástica. Talvez alguns sejam gongóricos e prolixos, mas exercitando a língua, nela se revêem, nela evoluem, nela se confirmam. Intelectuais? Não sei. Nada teria contra. Digamos que pensam antes de falar.
Convivem, observam, conversam. Mantêm tertúlias onde se procura fazer sobreviver a inteligência, nem que seja em suas próprias casas. Alguns reportam memórias de uma vida, em tempos de outra valência e pundonor cultural. E tornam-se testemunhos vivos que relatam. Consciência colectiva. Atenção.
São – um pouco à imagem do filme Fahrenheit não sei quantos – cada um, um livro, uma lição, um documentário honesto e sensível do seu viver e experiência.
Ao pé desta gente aprende-se e convive-se. Sente-se o sentido crítico, sem cairmos no criticismo barato de autocarro, nem na maledicência de mercado e galinheiro.
Aprenderam a acreditar, eu disse, nunca acreditando demais. São gente independente e informada. Atenta. Saturada de prendas, ofertas e seduções que nunca se confirmam.
E movem-se ainda. Têm ainda a energia de afirmar o sonho independente e impoluto.
E de dar testemunho das memórias que são memento, história corrente, testemunho transitado, vontade de lutar. Consciência vigilante.
Acreditaram muito, pouco, ou nada, em tudo e todos durante as últimas décadas da nossa história recente. Integraram desígnios colectivos por paixão e lealdade. Subscreveram abaixo-assinados. Entraram com pureza e candura em projectos que deixaram, quando, em consciência, os constataram eivados de vícios na forma e no conteúdo. Aprenderam em 30 anos a filtrar, dirigir e seleccionar prioridades.
Não se revêem hoje necessariamente nem em Partidos, nem em direcções de capacidade superior e estratégias florentinas de clareza duvidosa. Dizer isto é perigoso. Eu sei. Cada clientela partidária acha que a sua bandeira é sempre a mais justificada, a mais generosa, a única admissível. Mas há muitos milhares em Portugal que cansaram demais.
Nada os faz repudiar a abnegada e aguerrida vida partidária, com suas sequelas, diatribes e compensações. Mas gostam de pensar por si. Kremlin, Secretariado ou Directório pleno ao alcance de uma fácil reunião consigo próprios.
Reflexão directa e opção tranquila; sem peias nem indicações controversas ou interesseiras naquilo e naqueles que acreditarem.
Nada terão esses homens e mulheres contra os utilíssimos Partidos, esses inefáveis paladinos da democracia e da liberdade. Mas noto-lhes um discreto cansaço em relação à quadratura deste circo. Mantendo a observação serena e atenta.
Aos discursos velhos, pretensamente inovadores. Aos discursos inovadores, irremediavelmente velhos. Aos discursos. Às pessoas. À fiabilidade e seriedade de propósitos dos políticos profissionais.
Eu gosto de cidadãos independentes. Posso errar. Mas gosto. Gosto até de poder ser socialista, comunista ou liberal se, naquele momento, essa for a cruzada que acredito. O caminho que repute mais correcto para a resolução pragmática de um problema.
Ou turco, chinês, judeu, árabe, bielorusso. Tanto me faz.
Apenas quero que o chafariz funcione. O hospital. A estrada. O Prazer e o Belo. A água e a paisagem. O Ensino e a Justiça. A lei e a sombra. O sonho. Para todos.
Revejo-me por isso em candidaturas livres, corajosas e válidas.
Por isso mesmo, sem ser católico, estive com Maria de Lourdes Pintassilgo. E desde então nunca me curei. Aprendi a tolerância. A sedução pela competência, o diálogo, a inteligência, a reflexão sobre os assuntos.
A importância imensa de uma sociedade vigil.
Acredito até em ajudar o mérito a conseguir o lugar exacto onde prevaleça e seja útil. Acredito que há gente dentro e fora dos Partidos capaz desse exercício saudável de cidadania e inteligência. Acredito em homens e mulheres bons, que desejem a memória de um país viva e o seu progresso e evolução sinceros, em liberdade.
Gosto desta gente boa que se reúne nestas ocasiões e que ainda é capaz de vibrar por uma causa. Mas, se calhar, o acto maior é o de nos revermos e constatarmos. Mais velhos, mas teimosos. Acreditando, sem acreditar. Corpos cansados de tanta luta.
Mas ainda jogando a cartada, lançando opinião. Incomodando.
Eu gosto desta gente que ninguém compra. Traz na memória um povo de Abril sem calendário certo para o futuro. Bebemos na injustiça e dela construímos Liberdade.
Quando este neo-socialismo trepa pelas paredes da delação, processa opinião e se torna uma agência de injustiças, gosto de pensar que ainda existe, impoluta e provavelmente digna, essa reserva silente da Nação.
Gente que nada deve a ninguém. Que está profundamente descontente e atenta, dentro ou fora de todos os partidos da paleta democrática.
Gente que está incomodada e revoltada.
Gente séria. Que contém memória de um trajecto de liberdade que nunca esqueceu.
E que, cada vez que se encontra e se abraça, se vai interrogando baixinho e entre dentes:
- Será possível?!
Gosto deles. São gente determinada, mas sem agressividade; gentil, sem ser passiva; corajosa, mas sem perder o sentido das coisas. Gente entusiasta, sem ser lunática.
Resistem – como a incrível aldeia gaulesa – ainda e sempre ao invasor.
Entenda-se, neste caso, por invasor, o mau gosto, o nepotismo, a gestão caótica, o clientelismo, a corrupção, a incultura, a mentira institucional, o pequeno e grande roubo (o fiscal e o outro), as prepotências de Estado, a chicoespertice, o desarranjo de entulhos e vadiagens várias, as floribelas televisivas, a deseducação geral, a imbecilidade galopante.
Sabem calar, ler os sinais, falar. Aprenderam o conjuntivo e praticam-no. Têm ideias e discutem-nas. Talvez abusem da perifrástica. Talvez alguns sejam gongóricos e prolixos, mas exercitando a língua, nela se revêem, nela evoluem, nela se confirmam. Intelectuais? Não sei. Nada teria contra. Digamos que pensam antes de falar.
Convivem, observam, conversam. Mantêm tertúlias onde se procura fazer sobreviver a inteligência, nem que seja em suas próprias casas. Alguns reportam memórias de uma vida, em tempos de outra valência e pundonor cultural. E tornam-se testemunhos vivos que relatam. Consciência colectiva. Atenção.
São – um pouco à imagem do filme Fahrenheit não sei quantos – cada um, um livro, uma lição, um documentário honesto e sensível do seu viver e experiência.
Ao pé desta gente aprende-se e convive-se. Sente-se o sentido crítico, sem cairmos no criticismo barato de autocarro, nem na maledicência de mercado e galinheiro.
Aprenderam a acreditar, eu disse, nunca acreditando demais. São gente independente e informada. Atenta. Saturada de prendas, ofertas e seduções que nunca se confirmam.
E movem-se ainda. Têm ainda a energia de afirmar o sonho independente e impoluto.
E de dar testemunho das memórias que são memento, história corrente, testemunho transitado, vontade de lutar. Consciência vigilante.
Acreditaram muito, pouco, ou nada, em tudo e todos durante as últimas décadas da nossa história recente. Integraram desígnios colectivos por paixão e lealdade. Subscreveram abaixo-assinados. Entraram com pureza e candura em projectos que deixaram, quando, em consciência, os constataram eivados de vícios na forma e no conteúdo. Aprenderam em 30 anos a filtrar, dirigir e seleccionar prioridades.
Não se revêem hoje necessariamente nem em Partidos, nem em direcções de capacidade superior e estratégias florentinas de clareza duvidosa. Dizer isto é perigoso. Eu sei. Cada clientela partidária acha que a sua bandeira é sempre a mais justificada, a mais generosa, a única admissível. Mas há muitos milhares em Portugal que cansaram demais.
Nada os faz repudiar a abnegada e aguerrida vida partidária, com suas sequelas, diatribes e compensações. Mas gostam de pensar por si. Kremlin, Secretariado ou Directório pleno ao alcance de uma fácil reunião consigo próprios.
Reflexão directa e opção tranquila; sem peias nem indicações controversas ou interesseiras naquilo e naqueles que acreditarem.
Nada terão esses homens e mulheres contra os utilíssimos Partidos, esses inefáveis paladinos da democracia e da liberdade. Mas noto-lhes um discreto cansaço em relação à quadratura deste circo. Mantendo a observação serena e atenta.
Aos discursos velhos, pretensamente inovadores. Aos discursos inovadores, irremediavelmente velhos. Aos discursos. Às pessoas. À fiabilidade e seriedade de propósitos dos políticos profissionais.
Eu gosto de cidadãos independentes. Posso errar. Mas gosto. Gosto até de poder ser socialista, comunista ou liberal se, naquele momento, essa for a cruzada que acredito. O caminho que repute mais correcto para a resolução pragmática de um problema.
Ou turco, chinês, judeu, árabe, bielorusso. Tanto me faz.
Apenas quero que o chafariz funcione. O hospital. A estrada. O Prazer e o Belo. A água e a paisagem. O Ensino e a Justiça. A lei e a sombra. O sonho. Para todos.
Revejo-me por isso em candidaturas livres, corajosas e válidas.
Por isso mesmo, sem ser católico, estive com Maria de Lourdes Pintassilgo. E desde então nunca me curei. Aprendi a tolerância. A sedução pela competência, o diálogo, a inteligência, a reflexão sobre os assuntos.
A importância imensa de uma sociedade vigil.
Acredito até em ajudar o mérito a conseguir o lugar exacto onde prevaleça e seja útil. Acredito que há gente dentro e fora dos Partidos capaz desse exercício saudável de cidadania e inteligência. Acredito em homens e mulheres bons, que desejem a memória de um país viva e o seu progresso e evolução sinceros, em liberdade.
Gosto desta gente boa que se reúne nestas ocasiões e que ainda é capaz de vibrar por uma causa. Mas, se calhar, o acto maior é o de nos revermos e constatarmos. Mais velhos, mas teimosos. Acreditando, sem acreditar. Corpos cansados de tanta luta.
Mas ainda jogando a cartada, lançando opinião. Incomodando.
Eu gosto desta gente que ninguém compra. Traz na memória um povo de Abril sem calendário certo para o futuro. Bebemos na injustiça e dela construímos Liberdade.
Quando este neo-socialismo trepa pelas paredes da delação, processa opinião e se torna uma agência de injustiças, gosto de pensar que ainda existe, impoluta e provavelmente digna, essa reserva silente da Nação.
Gente que nada deve a ninguém. Que está profundamente descontente e atenta, dentro ou fora de todos os partidos da paleta democrática.
Gente que está incomodada e revoltada.
Gente séria. Que contém memória de um trajecto de liberdade que nunca esqueceu.
E que, cada vez que se encontra e se abraça, se vai interrogando baixinho e entre dentes:
- Será possível?!
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5 Comments:
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Manuel Alegre acusou, esta sexta-feira, o Partido Socialista de se estar a deixar dirigir pelo Governo, sem apresentar posições próprias nem espírito crítico em relação ao executivo socialista.
«Ouvi dizer que falta PS no Governo. Eu acho que falta PS no Governo porque falta PS fora do Governo», começou por criticar o deputado socialista, frisando que o partido deve levar a cabo uma «grande reflexão» sobre o que «anda a fazer» e, consequentemente, retirar as «consequências».
O ex-candidato a Belém sublinhou que o Governo é quem «dirige o PS», já que neste momento o partido «não tem uma posição própria sobre os assuntos», falta-lhe «espírito crítico, debate e uma estratégia».
Para Manuel Alegre, o caso da professora de Aveiro que sofria de leucemia e que mesmo assim foi obrigada a trabalhar por uma junta médica, tendo acabado por falecer, é um exemplo de que algo está profundamente mal no partido.
«É um caso absurdo, que demonstra uma insensibilidade absoluta», porque o «respeito pela pessoa tem de estar acima de uma interpretação rígida e desumana da lei», disse.
Mesmo assim, o deputado socialista recusou apontar o dedo a alguém em particular dentro do partido, responsabilizando todos os socialistas, incluindo ele próprio, pela actual situação do partido.
«Parece que as pessoas têm medo de pensar pela sua cabeça», frisou, acrescentando que, para ajudar a inverter aquilo que considera ser a falta de acção do partido, Alegre disse que vai «passar a ir às reuniões do grupo
Excelente texto de Pedro Barroso.
"...A importância imensa de uma sociedade vigil.
Acredito até em ajudar o mérito a conseguir o lugar exacto onde prevaleça e seja útil. Acredito que há gente dentro e fora dos Partidos capaz desse exercício saudável de cidadania e inteligência. Acredito em homens e mulheres bons, que desejem a memória de um país viva e o seu progresso e evolução sinceros, em liberdade."
Eu também acredito, mas o certo é que essas pessoas parecem-me ter medo... medo de dar a cara por objectivos e convicções.
Acredito que hajam Homens e Mulheres capazes de estar acima de qualquer suspeita, íntegros, corajosos e leais, na pureza dos seus sentimentos para com a Pátria que os viu nascer.
Acredito... mas será apena um sonho?
Excelente o seu texto.
Um abraço
De vez em quando espreito aqui e muitas das vezes gosto... É o caso. Obrigada por dizer tão bem aquilo que alguns pensam e muito, muito obrigada pelo maravilhoso espectáculo em Lagos a 24 de Abril.
Foi uma noite inesquecível.
Lacobrigense
Há. Há muita gente assim no nosso país. E com o tempo, vão-se cruzando os nossos caminhos.
Ainda tenho a esperança de poder fazer parte de um grupo, minimamente organizado, que junte esforços para ter um gesto maior, e uma intervenção maior para mudar o mundo, o nosso país, um concelho, uma freguesia.
Vamos então sair do comodismo e dar a cara por listas independentes de cidadãos nas próximas autárquicas.
Até breve
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