5.6.07

SERÁ QUE A DOR DOS MCCANN MERECE TRATAMENTO VIP?

Por João Miguel Tavares
É UMA PERGUNTA INSISTENTE, que se tem vindo a insinuar perante os meios colocados à disposição da família McCann: porquê tantos privilégios, quando outros na mesma situação tiveram tão poucos? Porque há-de Maddie ser tratada de forma diferente de dezenas de crianças que desaparecem todos os anos em Portugal? A recompensa por uma informação relevante já ascende aos quatro milhões de euros; o Fundo Madeleine, para ajudar nas despesas do casal, superou os 500 mil; um milionário inglês colocou à disposição dos pais um jacto privado; o governo britânico enviou-lhes um porta-voz; o papa Bento XVI concedeu-lhes uma audiência. Afinal, o que há de diferente na dor dos McCann para ela merecer tratamento VIP?
A seguir a este raciocínio vem a análise sociológica. Tudo isto só acontece porque

(1) Maddie é loira e de olhos azulados, (2) um anjinho fotogénico com (3) pais que são médicos (4) britânicos, e que estavam de (5) férias no Algarve.

Segundo esta teoria, é só quando se faz a conta, de 1 a 5, que o frenesim mediático em torno na criança e a comoção pública que ela gerou encontram a definitiva explicação. Certo? Certíssimo em termos da mecânica da coisa. Mas completamente errado em termos humanos.
Os McCann são católicos e há nos Evangelhos uma passagem chamada Parábola dos Trabalhadores da Vinha (Mateus 20, para quem ainda tiver Bíblia em casa). Em versão adaptada a tempos laicos: um homem saiu cedo para contratar trabalhadores para a vindima. Encontrou uns pelas oito da manhã e combinou pagar-lhes 50 euros pelo dia de trabalho. Contratou outros às 11, uns às duas da tarde, e ainda mais alguns às cinco. Acabado o dia de trabalho, começou a pagar-lhes - e a todos, quer tivessem trabalhado uma ou dez horas, pagou a mesma quantia: 50 euros. Os que tinham estado a trabalhar desde manhã não acharam graça e começaram a protestar: então nós andámos a bulir o dia todo e tu pagas-nos o mesmo que aos que só trabalharam uma hora? O homem respondeu: "Amigo, em nada te prejudico, não combinámos 50 euros? Toma o que é teu e vai. Porque há-de o teu olho ser mau por eu ser bom?"
Eis uma pergunta que ecoa desde as profundezas dos tempos: porque havemos de ter inveja dos privilégios dos outros? O mal não é que os pais de Maddie tenham este tipo de tratamento - o mal é outros não o terem. Não são eles que devem optar pela resignação pobrezinha; são os outros que deveriam ter idêntica capacidade para impor a sua presença. A luta dos McCann é dupla: contra o desaparecimento da filha do seu quarto de hotel, e contra o desaparecimento da filha da casa de todos nós. Eles sabem que a melhor forma de encontrar Maddie é mantê-la na agenda mediática. E essa clareza de pensamento vale mais do que mil lágrimas derramadas.
«DN» de 5 de Junho de 2007 -[PH]

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2 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Já agora, aqui fica a transcrição da parte da Bíblia referida na crónica.
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Mateus 20 - A ilustração dos trabalhadores na vinha

1-2 Esta é outra ilustração do reino dos céus: O dono de uma propriedade saiu cedo certa manhã para contratar trabalhadores para a sua vinha. Combinou pagar-lhes uma moeda por dia e mandou-os trabalhar.

3-6 Duas horas depois, passando por uma praça, viu ali alguns homens à procura de trabalho. Então mandou-os ir também para os seus campos, dizendo-lhes que pagaria no fim do dia o que fosse justo. Ao meio dia, e também perto da três da tarde, fez o mesmo. Às cinco horas daquela tarde, outra vez na cidade, viu mais alguns por ali e perguntou-lhes: 'Porque estiveram sem fazer nada o dia inteiro?

7' Porque ninguém nos contratou. O dono da propriedade disse-lhes: 'Então vão juntar-se aos outros nos meus campos.

8-11 Naquela noite disse ao pagador que reunisse os homens e lhes pagasse, começando pelos últimos. Quando os homens contratados às cinco horas da tarde foram pagos, cada um recebeu uma moeda. Os outros contratados mais cedo, quando foram receber o seu salário, julgavam que lhes seria pago mais, mas também eles receberam o mesmo. Puseram-se então a refilar:-

12'Aqueles só trabalharam uma hora, e, afinal, tu pagaste-lhes o mesmo que a nós que trabalhámos o dia inteiro, à torreira do Sol.

13-15'Amigo , respondeu o lavrador a um deles, 'não fui injusto contigo! Não aceitaste trabalhar o dia inteiro por uma moeda? Toma-a e vai-te, porque resolvi pagar o mesmo a todos. Não tenho eu o direito de dar o meu dinheiro como quiser? Zangas-te porque sou bondoso?

16 Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos.

6 de junho de 2007 às 09:32  
Anonymous Anónimo said...

Gostei da ideia do pagamento bíblico em euros...

6 de junho de 2007 às 20:51  

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