22.7.07

GLÓRIA AOS VENCIDOS

Por Nuno Brederode Santos
MUITO ELES GOSTAM de regras! E quanto mais severas, espartanas e cegas, mais eles gostam. Porque a regra severa, espartana e cega é o melhor chapéu emplumado para quem vai nu.
Ainda não assentou no chão a poeira da regra de Marques Mendes sobre as incompatibilidades dos arguidos. Ainda os seus estragos no PSD volteiam pelo ar, folhas de um Outono prematuro. E já uma nova regra - severa, espartana e cega - se instalou. Segundo ela, talvez em democracia haja ganhar e perder, mas quem perde demite-se. Sem mas, nem porém. É assim. Chamam-lhe "responsabilidade política" e explicam que é uma responsabilidade objectiva. Como a obrigação que eu tenho de indemnizar, quando o meu carro, estacionado, se destrava e vai bater noutro. Sem culpa nem pecado.
Claro que este simplismo é, como todos, falso e redutor. E, como todos, destina-se a não produzir efeitos úteis. A regra é absurda para que ninguém exija o cumprimento. Na derrota, deve o agente político sujeitar-se à libérrima apreciação daqueles a quem ela prejudicou - por via de regra, os companheiros de partido ou de aventura política. E, para que seja libérrima, deve ele ainda abster-se de intervenção nessa ponderação colectiva. Se esta concluir pela causalidade entre o desempenho do agente e a derrota de todos, o convite à demissão está feito. Se ela concluir que a derrota foi um incidente de percurso, então "em democracia, há ganhar e há perder", o agente mantém-se em funções e a vida continua. A chave é a sujeição do general ao livre juízo das tropas. Privando-o de ser juiz em causa própria.
Ora o modo como os grandes derrotados das eleições de Lisboa estão a assumir as suas responsabilidades é a própria negação da responsabilidade política.
No CDS, ofereceu-se à populaça a cabeça do candidato. No discurso oficial, ele começa por ter sido óptimo, mas depois considera-se natural que se demita de todas as (outras) responsabilidades partidárias. Já o líder, que o escolheu com espalhafato mediático, que se apresentou como a verdadeira oposição de todo o "centro-direita" e que decidiu fazer destas eleições uma questão nacional e um duelo pessoal com o primeiro-ministro, esse entrou em "reflexão sobre as condições do exercício da intervenção política em Portugal" (reflexão que convinha estar feita quando, aos 16 anos, se adere a uma Jota ou, pelo menos, antes de disputar uma liderança partidária). Uma reflexão que é pessoalíssima e deixa todos os demais interessados em suspenso e abstinência até à realização de um Conselho Nacional. No qual, aos supostos avaliadores da responsabilidade política, cabe ouvir, cabendo ao avaliado falar.
No PSD - em que o próprio candidato imputou, sem desmentido, as culpas da derrota ao partido -, Marques Mendes, após ter imposto à campanha uma lógica nacional suicidária, requer directas para esvaziar o subsequente (e inevitável) Congresso. Os cronistas da vida partidária registarão o afastamento de outros responsáveis, mas o líder prossegue, impante, porque foi contratado para um ajuste de contas em 2009, e não em 2007. Só não se entende a razão por que fez de umas eleições em 2007 um duelo directo com o Governo, para o qual, pelos vistos, não fora contratado. Quis ter direito às ilações da vitória, mas recusa sujeitar-se às da derrota.
Enfim, Manuel Monteiro: o líder de um partido tão íntimo e portátil que tal estatuto nem o impede de ser comentador político na televisão. Comoveu muita gente ao proclamar que "o país está cansado dos Marcelos Rebelos de Sousas (!), dos Paulos Portas, dos Mendes e dos Monteiros", mas fê-lo para se igualar na derrota aos que não sabem o nome completo de todos os que neles votaram. "Caí como Heitor", parece ele dizer; mas omite que o seu Aquiles foi o "nacionalista" Pinto Coelho. E sugere agora demitir-se do que não existe, a troco de mais uma patética tentativa de protagonizar uns "Estados Gerais da Direita", a que PSD e CDS teriam de se sujeitar.
Antes de ser político ou moral, o problema desta direita é estético.
«DN» de 22 de Julho de 2007

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