O PS devia mudar de nome
Por Baptista-Bastos
Numa extraordinária demonstração de grosseria, o ministro das Pescas, respondendo ao representante dos pescadores de Matosinhos, os quais afirmavam nada ter ganho com a Comunidade, exclamou: “Peça para abandonar a União Europeia!” O deplorável comportamento do dr. Jaime Silva...
O DEPLORÁVEL COMPORTAMENTO do dr. Jaime Silva integra-se na lógica de sobranceria deste Governo, cada vez mais inclinado a exercer uma espécie de poder bonapartista.
Não se trata, já, de socialismo com aspas ou sem elas. Pessoalmente, coloquei a dúvida no limbo, com a solução mais plausível: não há socialistas no Governo; e o próprio PS, com a obediência do servilismo, deveria “refundar-se” e passar a designar-se de Partido Social-Liberal. Estaria mais consentâneo com a triste imagem que o seu comportamento e práticas fornecem ao País perplexo.
O ministro Jaime Silva portou-se com a arrogância e a má educação comuns a quem possui a consciência de deter um poder acima do céu e da terra. Desconheço se é bom ministro se é excelente chefe de família. Realmente, não estou nada interessado em saber do senhor aquilo que pertence à sua individual idiossincrasia. Mas englobo as posturas pessoais e as decisões políticas na lógica de um Governo que detesta toda a gente que o contesta e que persegue todos os recalcitrantes.
Enquanto os ministros vão dizendo coisas abstrusas, malcriadas, imbecis ou desacreditantes, José Sócrates, no Porto, escapa-se pela porta dos fundos da Casa da Música, a fim de não dar conta dos protestos de centenas de desempregados. A táctica do Executivo é: não dar ouvidos a nada, proferir frases injuriosas, perseguir tenazmente quem se lhe opõe.
As últimas deliberações governamentais não só têm provocado sobressaltos de inquietação entre a esmagadora maioria dos portugueses, como causam graves lesões psicológicas, a atentar em recentes relatórios sobre a saúde mental.
Todos os componentes deste Governo são coniventes com as decisões; portanto, são cúmplices ajuramentados das mais nefastas malfeitorias perpetradas naqueles dos mais desprotegidos e fragilizados. Os comentários do Observatório Português dos Sistemas de Saúde constituem um severo requisitório às práticas do ministro Campos, cuja ausência de humanismo chega às fronteiras da selvajaria. Passo ao lado das declarações desta sinistra figura, sem deixar, contudo, de grafar aquela afirmação segundo a qual os medicamentos fora do prazo de validade deveriam ser entregues aos pobrezinhos. Em condições de normalidade democrática, o senhorito seria imediatamente despedido do Governo e expulso do convívio com pessoas de bem.
Persegue-se quem formula a mais leve piada sobre quem quer que seja do Executivo. Não é só José Sócrates o inatacável. E também não é só através de inquéritos que o sufoco se revela. Surdamente, intermediários exercem pressão para que este ou aquele mais obstinadamente insubmisso seja advertido dos perigos que corre.
O grupo parlamentar do PS não se destina a apoiar o Governo: está ali para o bajular. Só as igrejas impõem devoção e subserviência, aceitação e acatamento, submissão e vassalagem. Quando as pessoas têm dúvidas perseguem-nas, omitem-nas, removem-nas, apagam-nas. Há uma triste história da infâmia na história dos partidos portugueses. De todos os partidos portugueses, sem excepção. O que não impede de tentarmos inverter as coisas. Devo reconhecer que a acumulação de tanta arrogância, de tanta atitude atrabiliária, de tanto livre arbítrio, me deixa um pouco sucumbido. E tenho-o escrito, nesta coluna livre de um jornal que pretendo livre, com uma direcção livre. Sei, no entanto, que há gente (infelizmente muita gente) de fácil condução e de carácter flébil. Mesmo (acaso sobretudo) no interior do PS.
Sobre haver uma notória carência de sensatez e de um evidentíssimo pendor para resolver os problemas através de soluções fáceis porque pesadíssimas para os mais desprotegidos, este Governo sofre de graves amolecimentos de ordem moral. Os métodos impostos à maioria da população identificam o carácter de quem desconhece limites a qualquer acção, e ignora deliberadamente o significado da dignidade de quem manda.
Acontece, até, que a prática deste Executivo leva à reflexão de que ele não sabe, rigorosa e profundamente, o que essa prática pode representar no futuro. Esta gente abriu as portas a uma assustadora degradação democrática, que pode conduzir (irá certamente conduzir) à própria degeneração do regime. Mário Soares já manifestou as suas apreensões. Alegre também. Mas – os outros? Que pensam Alfredo Barroso, Medeiros Ferreira, António Arnaud, os que estão e os que foram sem, embora, desistirem?
A ideia de grupo, o conceito de sociedade, o princípio de comunidade estão cada vez mais problemáticos. E quem nos dirige não dispõe de cultura humanista como componente indispensável à função política. Não têm espírito de missão, e as definições que defendem do corpo social correspondem a construções ideológicas facilmente identificáveis com o que mais extremado existe na Direita.
APOSTILA - Dilecto: Você desculpe estas frequentes recomendações de livros. Não é insolência nem bazófia de quem tem passado a vida a ler e a escrever. Quando aconselho um livro ou um filme ou um texto jornalístico faço-o por imperativos geracionais. Partilhávamos as leituras e a excitação das grandes descobertas artísticas, com júbilo e contentamento: o Fernando Lopes, o Manuel Ruas, o Manuel Jorge Veloso, o Baptista Rosa, Canto e Castro, o Paulo Renato, o Alexandre Vieira, o Rogério Paulo. E o Henrique Viana, querido companheiro (quando escrevo este texto o Raul Solnado telefona-me a informar que o Henrique morreu), cuja memória recordo com emoção e orgulho. Voltando ao começo da Apostila: costumo deslocar-me à Livraria Francesa, na Luís Bívar, e regresso a casa cheio de livros com os quais pretendo instruir-me e iluminar a alma. Adquiri, há dias, entre seis deles, um, cuja leitura alvoroçadamente indico: “La Démocratie Post-totalitaire”, de Jean-Pierre Le Goff (La Découverte / Poche). Li-o, sublinhei-o, e vai servir-me para outras reflexões sobre este nosso terrível tempo. Sempre com a certeza de que surgirão dias melhores.
Não faz sentido, hoje, pela constante prática, pelos desvios e pelas derivas, que o Partido Socialista continue a usar o nome fundador. Já nada tem a ver com socialismo, com solidariedade, com generosidade, com fraternidade. Até a própria liberdade começa a estar em perigo.
Não faz sentido, hoje, pela constante prática, pelos desvios e pelas derivas, que o Partido Socialista continue a usar o nome fundador. Já nada tem a ver com socialismo, com solidariedade, com generosidade, com fraternidade. Até a própria liberdade começa a estar em perigo.
Etiquetas: BB
3 Comments:
«…Mas – os outros? Que pensam Alfredo Barroso, Medeiros Ferreira…?»
Boa pergunta e boa pontaria, porque é feita a dois socialistas que foram «varridos», há bem pouco tempo, dos espaços de opinião que mantinham nos jornais (concretamente, no «Diário de Notícias», onde «BB» agora escreve)! «Et pour cause»...
Em todo o caso, aquilo que eu penso não será difícil de imaginar, se o Baptista Bastos se recordar das crónicas que escrevi ao longo de oito anos no «Expresso», entre Maio de 1996 e Dezembro de 2004.Nunca fui militante socialista cego, surdo e mudo...
Não é preciso recuar mais no tempo para se saber o que penso sobre a censura política ou o condicionamento político censório. Nem sequer até ao período antes do 25 de Abril, quando fui jornalista profissional n’ «A Capital» e, depois, n’ «O Século».
A pergunta do Baptista Bastos é manifestamente retórica pois já me pronunciei sobre a mudança de cultura política no PS governamental várias vezes no meu blogue Bichos-Carpinteiro e até na revista VISÃO da semana passada.É natural que BB tenha dificuldade em encontrar com facilidade posições públicas minhas:fui arredado das listas para deputados pela actual direcção do PS, e depois a actual direcção do DN findou a minha colaboração regular com o jornal que durava há 15 anos consecutivos...
Isto torna-se interessante. Como será agora a vezada BB? Como espectadora, neste momento acho-o em posição delicada: apontou e falhou os alvos. E olha que dois!
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