PASSEIO ALEATÓRIO
Bolas pretas e brancas
Por Nuno Crato
AS PROVAS ACADÉMICAS de agregação de Saldanha Sanches deram brado na comunicação social. Insurgiram-se vários comentaristas contra o que imaginaram, como aliás muitos de nós, serem represálias impostas por alguns doutos académicos sobre o conhecido arrojo do candidato. Criticaram alguns o sistema de votação do júri, com as anónimas e ancestrais bolas pretas e brancas. Outros estenderam o seu repúdio a diversas práticas académicas também baseadas no anonimato, nomeadamente o sistema de revisão de artigos pelas revistas científicas. Estas outras práticas, contudo, têm produzido muito bons resultados. Constituem um filtro que garante a qualidade científica média de cada revista e que ajuda os autores a melhorar a sua investigação. Sendo um sistema baseado no anonimato (os autores não conhecem os avaliadores dos seus artigos), muitas vezes no duplo anonimato (os avaliadores apenas conhecem o conteúdo e não os autores dos artigos que avaliam), ele permite que os avaliadores («referees») possam criticar livremente o que julgam estar errado, mal explicado, ou insuficientemente fundamentado. Pode sempre haver erros, e há-os frequentemente. Mas não fazem também erros os médicos e é isso razão para passar a consultar os feiticeiros?
A raiz do mal português é outra e ela não pode ser atacada com uma vigilância populista sobre a academia nem com um centralismo estatal iluminado. A raiz do mal está na indiferença que o sistema alimenta. Possam os académicos sofrer com o desperdício de recursos e lucrar directamente com a qualidade da sua instituição, que metade dos problemas universitários portugueses estarão resolvidos.
«Expresso» de 13 de Julho de 2007Etiquetas: NC
6 Comments:
É exolicar isso ao sr. Carlos Esperança que deixou aqui um lamentável post laudatório do SS e condenatório da avaliação de 6 catedráticos, como quem diz: se me aprovas és bestial, se chumbas o meu amigo és uma besta!
Correcção:
A votação foi por 9 (e não por 6, como em cima se diz.
Não é verdade que "o sistema de revisão de artigos pelas revistas científicas" seja todo baseado no anonimato. Há revistas que praticam esse sistema mas muitas (a maioria?) usam o sistema de editores "apresentantes" que "apresentam" os artigos publicados nas revistas incluindo as revistas das academias das ciencias. Ainda há muita coisa que se publica por o autor ser conhecido e não se publica por ser desconhecido e o assunto demasiado "inovador"...
O problema de em todos os processos poderem aparecer erros não pode ser desculpa para se manter um sistema. O que interessa é saber se um sistema é demasiado susceptível a "erros" ou a influências "estranhas" ou não. Neste caso parece que sim, que há demasiados "erros" para que o sistema bola branca-bola preta seja sustentável. Um sistema em que todos os membros do júri tenham de publicamente emitir o seu parecer sobre o candidato, de forma justificada, parece preferível a um sistema em que quem vota nem tem de se justificar: só vota!...
A comparação pode não ser boa, mas aqui fica uma questão:
Nos julgamentos com júri (desses à americana, mas não só), como é que as coisas se passam em termos de veredito?
Sabe-se o resultado «Culpado/Não-culpado», claro; mas, além disso, sabe-se quem votou e como? Há declarações-de-voto?
Lembremo-nos da decisão da A.R de obrigar os partidos a elegerem os seus órgãos dirigentes por voto secreto. Parece (e, quanto a mim, é) uma intromissão desnecessária na vida interna dos outros, mas não é isso que importa abordar aqui e agora.
O importante é que cada organização possa decidir se as suas votações devem ser secretas ou não. Ambos os processos têm vantagens e desvantagens, e o assunto tem de ser discutido na generalidade e não pelo facto de, num caso específico, o modelo vigente prejudicar esta ou aquela pessoa.
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