15.9.07

Como habitualmente sucede aos sábados, aqui fica o post-aberto para quem o quiser utilizar.

1 Comments:

Blogger Pedro Tomás said...

Ela acordou, mas não abriu os olhos. Estava ainda naquele estado de semiconsciência, de quem acorda de um sono profundo. A sua cabeça latejava. A dor palpitava, cada vez que, no relógio, o ponteiro dos segundos se movia.

Uma semana antes, quando o telefone tocou, recebeu a notícia como quem recebe um murro no estômago. Enquanto escutava o que lhe diziam, olhou pela janela e observou as folhas dos plátanos, já amarelas e em tons de castanho, que jaziam caídas nas bermas frias da estrada. Cada vez que um carro passava, as folhas levantavam-se, num remoínho, apenas para aterrarem novamente no mesmo lugar. As nuvens juntavam-se, cada vez mais escuras, anunciando a tempestade que se aproximava. Ela não sabia no que pensar, o que fazer, e sua mente parou por momentos e ela sentiu-se transportar para longe.

- Desculpe, mas ainda está aí? – disse a voz, do outro lado do telefone.
- Sim... Eu amanhã vou aí para falarmos.

Desligou. A sua vida tinha acabado. Ela não podia acreditar. Pegou nas chaves e na mala e ao sair olhou para a cerca de madeira pintada de branco que ladeava o jardim. A relva precisava de ser aparada, as flores murchavam lentamente, desde o fim do verão. Fechou o pequeno portão no trinco e dirigiu-se para o carro. Pôs a chave na ignição e rodou. Nem se deu conta do percurso. A sua mente vagueava, ainda em choque, e quando deu por si, estava junto à costa, na marginal. Parou junto ao farol, imponente, que guiava os barcos na escuridão e oferecia segurança e conforto.

Ficou dentro do carro, com as mãos sobre o volante. O rádio parecia anunciar as más notícias, como sempre, mas desta vez estava desligado. Olhou o mar, o horizonte e depois, uma mãe e um filho que caminhavam junto à água, com os sapatos na mão. Gostava daquele quadro.

Havia tanto que queria fazer! Voltar a encontrar alguém que a fizesse ganhar confiança no amor... essa palavra que, no ano anterior, tinha perdido para ela todo o significado. Tinha imaginado, durante toda a sua vida adulta, os conselhos que daria aos filhos, enquanto crescessem, orientando-os no caminho certo, sempre com liberdade para escolherem o que quisessem fazer. Jantares de Natal, com os filhos e os netos, onde reinaria a alegria e a perfeição familiar. Mas, agora, nada disso iria acontecer.

Nos meses anteriores, em casa, tinha visto que algo não estava bem. Seguiu-se a visita ao médico, os exames, a incerteza enquanto esperava pelos resultados, e, finalmente, a confirmação, com aquele telefonema fatídico. No dia seguinte dirigiu-se ao hospital, fez os exames complementares. Tudo foi muito rápido. Uma semana depois estava na mesa de operações. O médico, em quem confiava em absoluto, disse-lhe para ficar descansada. Que tudo ia correr bem. Deixou-se adormecer, ao som daquelas palavras reconfortantes, sob o efeito da anestesia.

Estava agora a ficar mais consciente, e ao clarear as ideias, enquanto pensava com os olhos fechados, nos eventos dos últimos tempos, ouviu os passos a aproximarem-se. Sentiu o toque de uma mão quente na sua mão. Entreabriu os olhos e depois de conseguir focar correctamente o vulto que estava à sua frente, viu o sorriso que o médico lhe estendia.

- Correu muito bem. – disse ele – Vai ficar em observação durante os próximos dias, mas os exames que fizémos enquanto esteve inconsciente apontam para que tudo esteja resolvido.

- Obrigado – respondeu, emocionada, enquanto uma lágrima escorreu pela sua face, enterrando-se na fronha da almofada.

Olhou para o médico e apertou-lhe a mão com toda a força que tinha. Ele correspondeu da mesma forma. Olhou para o tecto daquele quarto de hospital e depois para a janela. Lá fora, àquela hora, o sol nascia, aquecendo aquele Outono outrora frio.

Tinham-lhe removido um peito, mas, com isso, devolveram-lhe a vida...

15 de setembro de 2007 às 16:01  

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