Alô Alô, Administração Interna
Por Manuel João Ramos
NÃO É TODOS OS DIAS que uma pequena associação recebe um telefonema de um governante. Mas foi isso exactamente que nos aconteceu ontem, dia 6 de Setembro, após o jornal O Público ter reportado a posição da ACA-M (Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados) onde lamentávamos que o número de mortos nas estradas não tenha em 2007 acompanhado a tendência de queda que se verificava há alguns anos.
Este governante mostrou-se zangado com a ACA-M por um comentário que nos atribui a jornalista Mariana Oliveira, que assina a peça “Morreram 551 pessoas nas estradas portuguesas até ao início deste mês” (Público, 6/09/07, p. 9): “O presidente da [ACA-M] diz que o Governo tem vivido à custa do esforço dos anteriores executivos e insiste que para reduzir mais a sinistralidade são necessárias medidas de fundo”.
Porque sabemos que os jornalistas têm de gerir a informação que recebem de diversas fontes para a fazer caber no espaço curto de uma notícia, e porque não valorizamos narcisicamente as nossas declarações públicas, não nos preocupamos habitualmente com a forma como aqueles as resumem, nem com o rigor das interpretações que delas fazem. Como na máxima que diz que a má publicidade é sempre publicidade, importa antes de mais à ACA-M que se fale do problema da tragédia nas estradas porque a discussão pública que a comunicação social promove é, reconhecidamente, um dos principais factores de consciencialização colectiva do problema e, assim, um instrumento essencial de prevenção rodoviária.
É verdade que a frase que é atribuída ao presidente da ACA-M – certamente por razões de falta de espaço disponível na notícia – surge descontextualizada e incompleta. O âmbito da nossa crítica à postura deste governo quanto à sinistralidade rodoviária reportava-se ao grau de mediatização das suas políticas. Lembrámos à jornalista que o governo de Durão Barroso fez da segurança rodoviária uma bandeira política, que o então primeiro ministro procurou, em diversas ocasiões, surgir como a face de um combate contra a sinistralidade, tal como, de resto, aconteceu (menos) com António Guterres. Notámos também que o facto de o anterior presidente francês Jacques Chirac fazer do combate à sinistralidade rodoviária uma bandeira política a partir de 2003 contribuiu decisivamente para a acentuada redução do número de mortos nas estradas francesas.
É notório que o primeiro ministro José Sócrates Pinto de Sousa nunca dedicou particular atenção pessoal à sinistralidade e insegurança rodoviárias, delegando sempre no secretário de estado da administração interna a condução pública das acções e posições do presente governo. Na perspectiva da ACA-M, esta menorização do problema paga-se caro em número de vidas.
A jornalista poderia eventualmente ter acrescentado à frase algo como “em termos de mediatização do combate político contra a sinistralidade rodoviária, o Governo tem vivido à custa do esforço dos anteriores executivos”. Mas, no que à ACA-M respeita, esta é uma questão menor. Mais importante, na peça, é a crítica que fazemos ao facto de a recém-criada Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) ser um organismo tutelado pelo Ministério da Administração Interna em vez de depender directamente da presidência do Conselho de Ministros, como a ACA-M e muitas outras associações e entidades civis têm vindo a pedir. A morte nas estradas é uma tragédia que exige a dedicação coordenada dos ministérios da educação, saúde, justiça, trabalho e segurança social. Por isso, enquanto for entendida pelos governos como um mero assunto de polícia e fiscalização, uma tal Autoridade não poderá fazer muito mais do que já fazia a extinta Direcção-Geral de Viação.
Ficaríamos certamente mais tranquilizados se um governante nos telefonasse para pedir desculpa pelo facto de não feito o suficiente para conseguir salvar mais vidas este ano do que nos anos anteriores. Assim como assim, só podemos interpretar o telefonema que recebemos como um gesto de pressão sobre a ACA-M. Felizmente que esta associação não depende de subsídios governamentais para existir e se exprimir publicamente, pois senão, ver-nos-íamos forçados a pensar duas vezes antes de dar a nossa opinião à comunicação social.
Etiquetas: MJR
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O ensino da condução
QUANDO, EM 1973, eu obtive a minha carta de condução, fui dado como apto a conduzir - mesmo um Ferrari! - apesar de nunca ter guiado a mais de 40km/h, nem com chuva, nem de noite, nem com piso oleoso, nem em autoestrada... - o mesmo sucedendo, trinta anos depois!, com o meu filho.
Ora, quem acompanha estes assuntos, sabe bem que Carlos Barbosa, Presidente do ACP, tem feito algumas intervenções críticas à apatia dos sucessivos governos face a esse estado de coisas - em boa parte responsável pelo que, a todo o momento, vemos nas estradas do país.
A isso, e em carta publicada no PÚBLICO no dia 24 p.p, o Secretário de Estado da Administração Interna, Ascenso Simões, responde que, pelo menos na parte que ao actual Governo toca, Carlos Barbosa não tem razão nenhuma; e, como argumento a favor do que diz, informa que «...está em discussão pública um novo Regime Jurídico do Ensino de Condução». Pois sim senhor, aí está uma actuação concreta e CINCO ESTRELAS. Só é pena que não restitua a vida a uma tia minha e a um dos meus melhores amigos - ambos atropelados e mortos, recentemente e com poucos meses de intervalo, por condutores a quem foi ministrada uma formação semelhante àquela que me deram.
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CMR - «PÚBLICO» de 27 Abr 07
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