Um plenário da CDE na clandestinidade
Por Carlos B. Esperança
HÁ FACTOS que a história esquece porque não tiveram a importância que julgámos, não servem os interesses políticos posteriores ou porque alguns grupos e protagonistas se tornaram irrelevantes. Refiro-me ao 1.º Plenário de militantes da CDE realizado na clandestinidade. Cerca de 800 foi um número impressionante que exigiu logística e planeamento só ao alcance de um partido como era o PCP e da coragem de poucos em que se destacou o Lino de Carvalho. A CDE organizava-se em «bases» que não comunicavam entre si e que, por razões de segurança, apenas reuniam no escalão superior os respectivos delegados – um por base.
No dia 14 de Janeiro de 1973, numa cave suficientemente ampla, em Odivelas, começaram a entrar, bem cedo, os primeiros militantes que seguiram o croqui fornecido na véspera, exibiram um rectângulo de papel com dois pês (PP) impressos (Papelaria Progresso) concluindo a identificação uma senha cujas palavras esqueci. Sei o dia (domingo) porque na sexta-feira anterior fui a Almeida onde, no dia seguinte, se realizou o casamento da minha irmã mais nova. Recordo o Dr. Óscar a dizer que, após tantos anos de Conservador do Registo Civil, era o segundo casamento a que presidia, remoque a que a minha saudosa mãe retorquiu dizendo-lhe para se habituar. É, pois, por uma data de casamento que sei a do Plenário. Recordo a insistência para que eu ficasse para o dia seguinte, pois tinha os noivos para transportar para Castelo Branco, no regresso a Lisboa. Ninguém percebeu a obstinação da recusa nem eu a podia explicar. Saí de noite, com mau tempo, e senti alívio quando deixei os passageiros e segui viagem. Cheguei a Lisboa de madrugada e, na caixa do correio, lá estava o croqui e o rectângulo de papel com os dois pês (PP). A senha era verbal e tinha sido comunicada na base ou na Cooperativa Devir. O plenário era heterodoxo na composição mas, como descobriria depois do 25 de Abril, fora obra da máquina do PCP. Não era fácil reunir oito centenas de cidadãos sem alertar a PIDE/DGS e frustrar a reunião. Foram cerca de 12 horas de cansaço e de fome apesar dos cestos de pão e de frangos que entraram no local donde apenas se saiu cerca das 20H00. Foi escassa a comida, para tanta gente, e poucos os contemplados. Logo no início começaram os problemas. Foi convidado a presidir o arquitecto Teotónio Pereira, que agradeceu a deferência mas alegou não poder aceitar por estar sujeito a medidas de segurança (espada de Dâmocles, habitual nas condenações políticas dos tribunais plenários da ditadura).
Foi então designado o Gilberto (?) Lindim Ramos que presidiu, e vários vogais, um deles o António Fonseca Ferreira, líder incontestado da base do Lumiar e meu antigo condiscípulo no Liceu Nacional da Guarda. Para além das inevitáveis informações, da análise da conjuntura e da definição dos objectivos políticos de curto e médio prazo, era necessário votar ali uma lista que recebesse legitimidade democrática para dirigir a CDE de Lisboa nas lutas que viriam. Era o último ponto da ordem de trabalhos e o mais polémico. Começaram aí as desinteligências, pois um grupo, que viria a formar o MES, pretendia que a cúpula fosse votada a partir das bases e não em lista de personalidades saída do Plenário em curso.
O PCP tinha uma opinião contrária bem como os que representavam uma linha que daria origem ao PS e outros democratas sem ortodoxia ideológica ou integração em grupos. Foi um requerimento meu que um médico, o Souto, também quis subscrever, que exaltou os ânimos mas pôs fim à discussão que penosamente se arrastava: “Pergunte-se à assistência se está esclarecida e, em caso afirmativo, passe-se à votação da lista proposta”. Gerou-se um burburinho. O requerimento foi execrado por uns e aplaudido pela maioria. O Fonseca Ferreira retaliou, demitindo-se da mesa logo que o requerimento foi admitido e lido. Os minoritários acusaram de antidemocráticos o requerimento e a lista. Discordavam da forma e da composição e insistiam que as bases designassem os delegados. Eram particularmente visíveis os “anticorpos” ao Mário Sotomayor Cardia, que integrava a lista. Sem consenso, a disputa deslocou-se para os aspectos formais da votação: por maioria simples ou qualificada (dois terços).
O cansaço e a fome facilitaram a decisão, com cerca de 80% de braços no ar a favor da maioria simples e os mesmos a legitimarem depois a lista perante uma revoada de aplausos. Ao meu lado, Vasco da Gama Fernandes, um dos poucos que levaram farnel, entusiasmado, fez questão de me cumprimentar.
Estava realizado o 1.º Plenário de militantes da CDE com a PIDE/DGS distraída. Lindim Ramos deu por encerrados os trabalhos.
«Jornal do Fundão» de 6 de Setembro de 2007
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