PS, S.A.
Por António Barreto
QUEM QUISER PERCEBER as últimas movimentações do governo e do Banco de Portugal no BCP, na Caixa Geral de Depósitos e na RTP terá de se interrogar sobre os seus antecedentes e o seu contexto. E não poderá esquecer outras intervenções do governo, eventualmente menos ruidosas, em casos de fusões e compras ou vendas de empresas, de privatizações, de concursos públicos e de nomeações de administradores por parte do Estado. Como não poderá perder de vista decisões que envolveram a PT e a PT Multimédia, a GALP, a EDP, a IBERDOLA e outras. Nem deve subestimar decisões futuras, mas iminentes, sobre o quarto canal de televisão, o novo operador de telemóveis, a televisão digital terrestre, o aeroporto de Lisboa e o TGV. Não é tarefa fácil, dado que o jornalismo parece especialmente contido. As informações são escassas. Muito jornalismo depende seja das empresas, seja do governo. Além disso, o próprio Banco de Portugal não é generoso na explicação das suas acções e sobretudo das suas omissões.
É UM VELHO MITO DAS ESQUERDAS: o poder político deve comandar o poder económico. Uns consideram que o “poder político” é o do soberano, do eleitor. Outros têm um entendimento mais vasto: é o poder dos políticos, sejam ministros ou vereadores, directores gerais ou deputados. Com o tempo, o poder político foi perdendo. Precisa do poder económico para investir, para o desenvolvimento, para mostrar boas taxas de crescimento, para fazer favores aos partidos e aos clientes. Com a globalização, novas formas de poder económico surgiram e ficaram à margem das leis nacionais e das directivas europeias. Foi o que bastou para que os governos se adaptassem. Mantendo embora as formas da democracia parlamentar, o poder político vive cada vez mais obcecado pelo poder económico, pelos favores das empresas e pelos investimentos que possam ilustrar a boa obra do governo. Vivemos tempos em que as únicas coisas de que os governos se vangloriam são os indicadores económicos, o crescimento, o emprego, o investimento, as exportações e os rendimentos. Para isso, precisam das empresas, dos capitalistas, dos bancos e dos investidores.
ESTES ÚLTIMOS TÊM, EVIDENTEMENTE, prazer em ajudar. Depois, ganham concursos, recebem benefícios de toda a espécie, auferem subsídios, aproveitam de adjudicações directas e fazem projectos. Trabalham impunemente nos off shores. Constroem edifícios públicos, centrais de energia, redes de comunicações, estádios de futebol, aeroportos, caminhos-de-ferro e tudo quanto ajuda à modernidade do país e aos lucros das empresas. Em especial, obtêm licenças para o que for necessário, designadamente a construção, que é a suma especialidade do capitalismo português.
PARA AJUDAR ÀS DECISÕES, criaram-se sistemas de vário tipo, uns crus, outros sofisticados. Há quem pague as obras nas sedes dos partidos, quem simplesmente financie as suas actividades e quem subsidie as campanhas eleitorais. Há também quem encontre outras maneiras de facilitar as decisões: depósitos no estrangeiro, transacções em “dinheiro vivo”, subsídios a instituições desportivas, culturais ou mesmo de beneficência. Nos partidos, há gente especializada nesse negócio. Uns são brutos, tratam dos trocos e recebem percentagem. Outros são delicados gestores ou representantes de boas famílias que se ocupam dos grandes números. Mas também há outros modos de estabelecer estas novas relações entre poder económico e poder político. As nomeações de políticos e simpatizantes para as empresas públicas e privadas podem ser feitas tanto pelos empresários como pelos ministros. Através dos seus direitos de accionista ou de outros direitos menos palpáveis, a influência do governo nas grandes decisões económicas só tem o seu equivalente na influência dos grupos económicos nas decisões do governo. Este tem a sorte de ter diante de si um capitalismo miserável, mesquinho e dependente. Estamos a viver episódios de real perda de autonomia do capitalismo nacional. Alguns dos seus dirigentes prestam-se com agilidade e gratidão à promiscuidade. Uns com interesse puro e simples. Outros com receio de serem presos. Ou apanhados na operação Furacão.
O PARTIDO SOCIALISTA tem vindo a estar atento a esta evolução do mundo, da política e da economia. E tem vários objectivos. Manter o contacto com a decisão económica. Encontrar empresas dóceis perante as suas necessidades políticas. Colocar alguns dos seus mais notáveis dirigentes, mas também empregar muita “arraia-miúda”, de secretárias a técnicos, de burocratas a assessores. Arranjar financiamento para as suas actividades eleitorais. Identificar parceiros para todas as formas de “mecenato” que aliviem os orçamentos de certos ministérios. Recentemente, o partido do governo parece ter enveredado por vias de superior entrosamento. O PS quer ficar com interesses económicos estáveis e duradouros, ao abrigo de resultados eleitorais sempre voláteis. A sua penetração no mundo do dinheiro tem vindo a crescer, no que está a seguir a via inaugurada pelo PSD. Como é evidente, tal actuação é formalmente apresentada como uma prerrogativa do governo, um dever cumprido no interesse nacional. Acreditemos ou não nessa versão, a verdade é que o PS está hoje directamente envolvido, através dos seus amigos, antigos dirigentes, filiados, sócios, simpatizantes e antigos governantes, em vários sectores da economia, da banca, dos petróleos, da televisão, das telecomunicações, da multimédia, das redes de electricidade e gás e outros. O PS mantém-se uma associação, mas parece estar a desenvolver-se como uma sociedade anónima de capitais públicos e interesse privado. O PS procura transformar-se num grupo económico com poder efectivo. Através da presença do governo em sectores estratégicos, este partido adquire um papel de peso na economia. Até há pouco tempo, essa posição era essencialmente a do PSD. Mas o equilíbrio alterou-se. Ainda se mantêm zonas de partilha entre os dois, mas a maioria absoluta de Sócrates foi um instrumento decisivo para a irresistível ascensão financeira do PS. Os três maiores bancos portugueses têm, a partir de agora, relações especiais com o governo e os socialistas. Temos banqueiros no governo e socialistas na banca.
«Retrato da Semana» - «Público» de 30 de Dezembro de 2007
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2 Comments:
Tantas, mas tantas acções descritas neste post e praticadas quer por PSD quer por PS me fazem lembrar de algum o modo a actuação de um outro partido socialista, o nacional socialista...
António Barreto teria feito uma análise acertada, não fora ter caído num erro que é habitual em muitos analistas da nossa praça:
a identificação das práticas do PS e do PSD. Não tem nada a ver uma coisa com outra. Não quer dizer que um partido seja melhor do que o outro, mas uma análise correcta tem de levar em conta as diferenças.
No PS, a promiscuidade com os capitalistas é organizada ao nível da direcção. E já vem de longe. Mário Soares e Almeida Santos são catedráticos na matéria.
No PSD essa promiscuidade não parte da direcção. Nem tem carácter organizado. É mais na base do cada um por si, ou de grupinhos independentes. Por isso é muito menos eficaz. No PSD se alguém é apanhado numa marosca, ele que se safe. Tivesse mais cuidado. No PS não é assim. Actuam com espírito de seita, defendendo o camarada enrascado. Viu-se no processo Casa Pia o que eles fizeram com o Paulo Pedroso. Até o levaram em ombros para uma festarola na Assembleia da República. Uma vergonha. No PSD isso era impensável. Mas no PS julgam-se ao abrigo de uma putativa superioridade moral da ideologia de esquerda. O que lhes dá uns quantos direitos na sociedade, obviamente.
E agora, no caso BCP/CGD é bem provável estar também em causa a intenção de proteger altos camaradas, procurando garantir condições para ocultar a verdade total acerca das irregularidades praticadas desde há anos no BCP. Se fosse tudo levado às últimas consequências, seria uma chatice.
Jorge Oliveira
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